sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

RUBENS K. ESCREVEU!

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PARA OS QUE AINDA COMEMORAM ANIVERSÁRIO


Tinha gosto de frutas, o bolo. Não entendi se era aniversário de alguém ou alguma comemoração qualquer e alguém resolveu levar um bolo…de frutas, aquelas cristalizadas. Não gosto de frutas, muito menos cristalizadas, nem doce eu como, mas não pude fazer nada a respeito. A força me faltou na hora. Empurrei com coca e tudo ficou um pouco melhor. Ela parecia animada num canto. Era aniversário o lance do bolo. Ela fez 31. Trinta e um. Já passei por isso. Dias piores virão. Tive vontade de falar alguma coisa, mas ia ser desagradável e ela parecia feliz com os 31 e os amigos e o bolo. A hora vai chegar. Desisti, como na maior parte das coisa que começo a fazer, desisti. Alguns me acham um puta fracassado. Tenho pena deles. É que não fico colocando as coisas em papeizinhos e pendurando na geladeira. Que se foda a geladeira se não tiver cerveja. Pra que ela serve? Papeizinhos? Que se fodam. Olhei pros meus sapatos velhos, pra minha calça velha e depois pra minha cara velha. Tudo estava em perfeita harmonia, combinando, como diria Glória kalil. É assim que me sinto, velho, fodido, com a camisa amassada por fora da calça, com o cabelo mal cortado, com as unhas do pé roídas, com uma certa vantagem pra alguém com 31 anos. Isso, de certa maneira, me reconforta. Ela me olha de cinco em cinco minutos, acho que pra ter certeza que ainda estou por aqui, vivo, em pé, esboçando um ar meio feliz por ela, sugando a fumaça e depois soprando, meio prensada, por cima do bolo. Não é todo dia que fazemos trinta, ouvi alguém dizer. Nunca soube de alguém que repetiu qualquer idade em toda a sua merda de vida. Seria uma puta idiotice, apesar de existirem pessoas capazes de cometerem essa e outras atitudes idiotas. Pensei em falar que isso era uma idiotice, mas declinei. Era o irmão dela. Ela ia achar que era implicância. Sempre falou isso, que eu implicava com a família dela inteira. Claro que implico, é lógico. É a única defesa que tenho contra a certeza deles por mim. Resolvi ir lá fora pra respirar, mijar ou vomitar, pra ver no que dava. Passei o dia inteiro dirigindo um carro, o carro dela, levando meus pais em médicos e hospitais. Passei o dia pensando em como nos tornamos inúteis mais rápido do que podemos compreender. Passei um dia inteiro absorvido por vidas que não eram a minha mas, de certa maneira, me sentia responsável por elas. A melhor parte do dia foi quando um camundongo resolveu dar as caras na superfície. Saiu desavisado do bueiro, de onde nunca deveria ter saído. Caminhou pela calçada, entre gritos histéricos de velhas e putas nojentas carregando bolsas caras e jóias idem. A cagada foi ele ter parado em frente a porta de um banco. Não dava pra fugir. Levou um chutão que atordoou o bicho. Ficou desacordado, pensei, e agora elas vão deixar ele pra lá. Não. Uma vadia sádica chutou o rato pro meio da rua. Durante um bom tempo, por milagre, os carros desviaram. Sei lá porque olhei pra cima quando pensei nisso. Sei lá porque pensei ver nas nuvens uma em forma de pé. Sei lá porque pensei que agora só falta o último e derradeiro pontapé. Já estamos a um bom tempo fora do esgoto - isso é um milagre, ou não é?

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