A partir de agora, estou publicando aqui a Novelha
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O DIA QUE EU MATEI O WILSON MARTINS
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devidamente corrigida e com algumas notas
para as pessoas que não moram em Curitiba.
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Um capítulo por vez;
mas, se você quiser,
entre no blog do Thadeu
e leia o quanto puder!
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O DIA QUE EU MATEI O WILSON MARTINS
de Antonio Thadeu Wojciechowski
Capítulo 1
Foi profundo, Wilson.
Mais de cem mil pessoas presentes ao enterro
Dão adeus ao mestre da manha e da moda
Em palavras difíceis e inocentes de erro.
A Gazeta do Povo Extra propõe e roda
A beatificação do morto ainda quente;
A Câmara, a maior nova pedreira urgente. (1)
Nem durante o apagão vendeu-se tanta vela!
No câmbio negro, de hoje, até as de aniversário,
Com números e letras, foram à janela
Pra iluminar o último itinerário,
A preço de completo e raro candelabro.
E, assim mesmo, pra achá-las foi obra do diabo.
Se abriram centenas e centenas de faixas,
Em letras garrafais, homenageando o morto,
Pelas ruas e avenidas. No percurso, rachas.
Discípulos, legiões de fãs que, em desconforto
Visível e triste, choram copiosamente;
Mas, a grande maioria olha simplesmente.
Alguém inaugurou o primeiro milagre,
Aos berros: “Eu toquei em seu caixão
E fiquei são. Agora, sou mais um que sabe!”
E continuou berrando: “Sou um sabichão,
O bom e velho Wilson (2) colocou uma lâmpada
Onde, na escuridão, reinava Lobsang Rampa!”
Alguns param e querem saber pormenores;
Outros seguem em frente, empurrados, forte
E incessantemente, pela massa e seus suores
Que, misturados às lágrimas, dão-lhe suporte
E dramaticidade. Aparentemente,
Todos têm chafarizes a jorrar pra sempre.
O cheiro provocado pelo esforço dá
À cena uma atmosfera mortalmente lúgubre
E carnicenta, a tal ponto que no céu já
Há, voando em círculos, o espectro de um abutre.
É a sombra da morte que persegue o féretro,
Como um sinal das trevas dado ao nosso cérebro!
Um congestionamento monstruoso toma
Conta das ruas, calçadas e acessos à cova,
Onde os vermes aguardam o corpo que tomba
Pra dar início à lauta refeição, tão nova
E fresca que há de deixar somente as unhas,
Ossos e cabelos, para o horror das testemunhas!
Bom, mas isso não tem importância nenhuma.
O fato é que o Martins, vivo, era um ilustre
Desconhecido. Como é possível que reúna
Mais gente do que uma passeata contra o Bush?
Uma senhora idosa, gorda e varicosa
Até os braços, explica, em detalhes, vaidosa:
“A anulação de opostos, contradições, faz-se
Quando um dos membros deixa de existir, abrindo
Uma lacuna que, dependendo da classe
Ou amplitude, dá lugar a um labirinto,
Para Minotauro nenhum botar defeito.
E agora, Miguel Sanches Neto leva jeito?” (3)
Alguns, com palavrões, tentam calar a velha,
Porém, irredutível, ela continua:
“Está certo que o assunto aqui não se encerra,
A mesma multidão que hoje está nesta rua
E veio homenagear o mestre literário,
Amanhã é muito comum voltar ao calendário
E marcar em vermelho a data do feriado
Novo. Minha formação de diarista serve
Pouco para ir mais longe; porém, de bom grado
Seria ouvir agora de alguém a quem se deve
Eleger. Afinal, ao rei morto, rei posto.
Como já disse, Sanches Neto faz o meu gosto.”
O pipoqueiro, até então calado, estoura:
“Cala essa boca, bruxa! O pragmatismo ímpio,
Farisaico, da classe operária é cenoura
Enfiada no nosso rabo. Há que se jogar limpo,
Essa substituição envolve muitos nomes
De peso. Uma eleição tem que ser nos conformes.”
Um guardador de carro, que ouvia de orelha
Em pé, retruca: “O povo não sabe votar!
Essa história da inteligência brasileira,
Pelo menos pra mim, alguém tem que contar
De novo. A tal poesia do Bruno Tolentino
É ouro de tolo, ao Wilson faltou tino.”
Diarista, lavadeira de estirpe raríssima,
Não se dá por vencida: “Concordo, ele errou
Feio. Aliás, de poesia mesmo coisíssima
Nenhuma ele entendeu. Na trave ou dentro do gol,
A bola faz placar diferente. Talvez
Seja esse o caminho pra saber a da vez.”
Aplaudida de pé, a anciã não cabe em si,
E retoma, erudita: “A meu ver, com Leminski
Ele cometeu grande injustiça. Reli,
Dias atrás a matéria, tomando meu uísque,
E fiquei assustada. Superficialidade
Tamanha deveriam proibir nesta cidade.”
Com ganas de intervir, freio o impulso mortal.
À plebe rude restam poucas coisas, mínimas
Referências, escassas palavras - sal
Que infertiliza o chão - de preferência, as cínicas
Que se desdobram sórdidas e incompreensíveis.
Eu não estou nem aí e me alço a outros níveis.
Ao mestre, com carinho, estendo meus braços,
Longos, desajeitados, mas cheios de amor.
Tomo de um só tomo entre os estudos esparsos
E com ele ameaço universo e criador:
“Aqui pra vocês, lentes e inspetores, cânones
Desse lugar comum, ecos de mantras brâmanes,
Que se repetem pelos séculos afora,
Como se esse nosso coração, arca única
Da vida, fosse um fóssil perdido na história.
É preciso lembrar que o monge faz a túnica,
Reveste-a do mais santo respeito ou a lança
Ao fogo do inferno, onde nada mais se alcança!"
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O DIA QUE EU MATEI O WILSON MARTINS
~~
devidamente corrigida e com algumas notas
para as pessoas que não moram em Curitiba.
~~
Um capítulo por vez;
mas, se você quiser,
entre no blog do Thadeu
e leia o quanto puder!
~~~~~~~~~~~~
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O DIA QUE EU MATEI O WILSON MARTINS
de Antonio Thadeu Wojciechowski
Capítulo 1
Foi profundo, Wilson.
Mais de cem mil pessoas presentes ao enterro
Dão adeus ao mestre da manha e da moda
Em palavras difíceis e inocentes de erro.
A Gazeta do Povo Extra propõe e roda
A beatificação do morto ainda quente;
A Câmara, a maior nova pedreira urgente. (1)
Nem durante o apagão vendeu-se tanta vela!
No câmbio negro, de hoje, até as de aniversário,
Com números e letras, foram à janela
Pra iluminar o último itinerário,
A preço de completo e raro candelabro.
E, assim mesmo, pra achá-las foi obra do diabo.
Se abriram centenas e centenas de faixas,
Em letras garrafais, homenageando o morto,
Pelas ruas e avenidas. No percurso, rachas.
Discípulos, legiões de fãs que, em desconforto
Visível e triste, choram copiosamente;
Mas, a grande maioria olha simplesmente.
Alguém inaugurou o primeiro milagre,
Aos berros: “Eu toquei em seu caixão
E fiquei são. Agora, sou mais um que sabe!”
E continuou berrando: “Sou um sabichão,
O bom e velho Wilson (2) colocou uma lâmpada
Onde, na escuridão, reinava Lobsang Rampa!”
Alguns param e querem saber pormenores;
Outros seguem em frente, empurrados, forte
E incessantemente, pela massa e seus suores
Que, misturados às lágrimas, dão-lhe suporte
E dramaticidade. Aparentemente,
Todos têm chafarizes a jorrar pra sempre.
O cheiro provocado pelo esforço dá
À cena uma atmosfera mortalmente lúgubre
E carnicenta, a tal ponto que no céu já
Há, voando em círculos, o espectro de um abutre.
É a sombra da morte que persegue o féretro,
Como um sinal das trevas dado ao nosso cérebro!
Um congestionamento monstruoso toma
Conta das ruas, calçadas e acessos à cova,
Onde os vermes aguardam o corpo que tomba
Pra dar início à lauta refeição, tão nova
E fresca que há de deixar somente as unhas,
Ossos e cabelos, para o horror das testemunhas!
Bom, mas isso não tem importância nenhuma.
O fato é que o Martins, vivo, era um ilustre
Desconhecido. Como é possível que reúna
Mais gente do que uma passeata contra o Bush?
Uma senhora idosa, gorda e varicosa
Até os braços, explica, em detalhes, vaidosa:
“A anulação de opostos, contradições, faz-se
Quando um dos membros deixa de existir, abrindo
Uma lacuna que, dependendo da classe
Ou amplitude, dá lugar a um labirinto,
Para Minotauro nenhum botar defeito.
E agora, Miguel Sanches Neto leva jeito?” (3)
Alguns, com palavrões, tentam calar a velha,
Porém, irredutível, ela continua:
“Está certo que o assunto aqui não se encerra,
A mesma multidão que hoje está nesta rua
E veio homenagear o mestre literário,
Amanhã é muito comum voltar ao calendário
E marcar em vermelho a data do feriado
Novo. Minha formação de diarista serve
Pouco para ir mais longe; porém, de bom grado
Seria ouvir agora de alguém a quem se deve
Eleger. Afinal, ao rei morto, rei posto.
Como já disse, Sanches Neto faz o meu gosto.”
O pipoqueiro, até então calado, estoura:
“Cala essa boca, bruxa! O pragmatismo ímpio,
Farisaico, da classe operária é cenoura
Enfiada no nosso rabo. Há que se jogar limpo,
Essa substituição envolve muitos nomes
De peso. Uma eleição tem que ser nos conformes.”
Um guardador de carro, que ouvia de orelha
Em pé, retruca: “O povo não sabe votar!
Essa história da inteligência brasileira,
Pelo menos pra mim, alguém tem que contar
De novo. A tal poesia do Bruno Tolentino
É ouro de tolo, ao Wilson faltou tino.”
Diarista, lavadeira de estirpe raríssima,
Não se dá por vencida: “Concordo, ele errou
Feio. Aliás, de poesia mesmo coisíssima
Nenhuma ele entendeu. Na trave ou dentro do gol,
A bola faz placar diferente. Talvez
Seja esse o caminho pra saber a da vez.”
Aplaudida de pé, a anciã não cabe em si,
E retoma, erudita: “A meu ver, com Leminski
Ele cometeu grande injustiça. Reli,
Dias atrás a matéria, tomando meu uísque,
E fiquei assustada. Superficialidade
Tamanha deveriam proibir nesta cidade.”
Com ganas de intervir, freio o impulso mortal.
À plebe rude restam poucas coisas, mínimas
Referências, escassas palavras - sal
Que infertiliza o chão - de preferência, as cínicas
Que se desdobram sórdidas e incompreensíveis.
Eu não estou nem aí e me alço a outros níveis.
Ao mestre, com carinho, estendo meus braços,
Longos, desajeitados, mas cheios de amor.
Tomo de um só tomo entre os estudos esparsos
E com ele ameaço universo e criador:
“Aqui pra vocês, lentes e inspetores, cânones
Desse lugar comum, ecos de mantras brâmanes,
Que se repetem pelos séculos afora,
Como se esse nosso coração, arca única
Da vida, fosse um fóssil perdido na história.
É preciso lembrar que o monge faz a túnica,
Reveste-a do mais santo respeito ou a lança
Ao fogo do inferno, onde nada mais se alcança!"
1. Wilson Martins – crítico, professor.
2. A Câmara Municipal de Curitiba, quando Leminski morreu, rapidamente se reuniu e arranjou um jeito de homenageá-lo. Dando então o nome de Paulo Leminski a uma pedreira, local onde se realizam shows. Em vida praticamente menosprezaram o poeta.
3. Escritor, crítico e amigo do Wilson Martins, de quem segue as pegadas.
2. A Câmara Municipal de Curitiba, quando Leminski morreu, rapidamente se reuniu e arranjou um jeito de homenageá-lo. Dando então o nome de Paulo Leminski a uma pedreira, local onde se realizam shows. Em vida praticamente menosprezaram o poeta.
3. Escritor, crítico e amigo do Wilson Martins, de quem segue as pegadas.
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