segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A NOVELHA DO POLACO DA BARREIRINHA, CAPÍTULO 2!!

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O DIA QUE EU MATEI O WILSON MARTINS

de Antonio Thadeu Wojciechowski


Capítulo 2

O povo é mais um na multidão, Wilson.


O mar seria um filósofo de mão cheia, pena
Que pouca gente entenda suas claras lições.
Em seu fluxo e refluxo, à luz da lua plena,
Nova ou em quartos, muda a vista, construções
Caem, ilhas devastadas, pedras viram pó,
E, muita vez, apenas, por ser mar e só
Arranca da garganta um emocionado oh!

Força maior do mundo, sua água profunda
Modela e dá formato a essa superfície,
Que deslumbra e encanta e em terror afunda
Gigantescas vaidades como o Titanic.
A maré esvaziou, nada agora se parece.
O cadáver na cova, a última prece,
A vela que se consome e desaparece.

Flores murchas suspiram essências, perfumes,
Hálitos divinais, colorações pôr-do-sol...
A noite cai; estrelas, em grandes cardumes,
Aplaudem todo o lusco-fusco do arrebol.
Na dura laje, o morto, enrijecido, sonha
Solidões infinitas entre o bico da cegonha
E a caixa derradeira... nada mais que uma onda...

Nada mais...

Na catedral, um sino ensina ao silencioso
Transeunte a melodia mediúnica do bronze.
A alma é mais triste e só do que um vaso ocioso,
Quanto mais olhamos para dentro, mais longe
Ela se afasta e foge do corpo, que, por
Querer ser mais do que vaso que a guarda flor,
Não vê que a semelhança é sem tirar nem pôr.

Nos bares a conversa é uma só: o enterro.
“Duzentas mil, no mínimo!” Berra alegrinho
O gordo vesgo, trêmulo como um bezerro
Que acaba de nascer. De pouquinho em pouquinho,
O álcool começa a agir e põe fim à timidez.
Agora todos falam, sem respeitar vez
Ou ordem, como órfãos do quem sabe e do talvez.

“Cê tá louco, ô pudim de pinga batizada!
Não tinha mais de cem mil, isso exagerando...
E olhe lá! Curitibano só dá mancada.
Ô racinha pra gostar da hipérbole quando
Vai contar uma coisa qualquer!” Retrucou
Um manguaceiro querendo aparecer ou
Querendo confusão. E o pior é que encontrou!

Um polaco da gema mesmo, narigão
Disforme, cabelo loiro espiga, barriga
Barrilizada, deu-lhe um forte bofetão,
Dando início a brutal pancadaria. Se briga
Não dá camisa a ninguém, pelo menos tira.
Em questão de minutos, já faziam fila
Diante do espelho os farrapos adeptos da ira.

Graças aos deixa-disso, o bar volta ao normal
E a conversa, ao assunto. O polaco retoma:
“Na frente d’eu, ninguém, mas ninguém fala mal
De meu cidade. Aqui eu nasceu e se eu môra,(1)
Aqui eu me entero, junto com pai e mamãe meu.”
Lágrimas esguicharam, mas continuou seu
Discurso. “Eu leu Wilson, mas não entendeu.”

Um senhor, de aparência grave, até então
Quieto no seu canto, emocionado, emendou:
“O Wilson não escreveu para o nosso povão.
Ele o fez para mestres, estudiosos. Sou
Cada vez mais adepto desse raciocínio.
Sua intenção foi clara, adotou o ensino
Pra ajudar escritores, poetas. É um caminho.”

A garçonete ouve e não se contém: “Senhor!
Pelo amor de Deus! Menos, por favor, bem menos!
Se currículo fosse prova de valor,
O mundo não estaria assim, não é mesmo?
Verticalização de conteúdos gera
Aberrações, dialetos, e isso aí já era.
Quem quer chamar pinto, que encha o cu de quirera!”

A gargalhada faz tremer copos nas mesas.
O polaco partiu pro abraço todo doce,
Melado de emoções. “Eu já pagou despesas.
Mas abre outra conta, você como filha fosse!”
O grupinho, que ocupa a mesa central,
Diverte-se à farta, como se, na real,
Tudo ali parecesse engodo intelectual.

Mas quando um cabeludo, com pilhas de livros
Sob os braços, entrou, gritando e repetindo
O refrão: “Leiam livros, livro é para os vivos!”,
Foi que a cena nonsense afetou-os: “Que lindo!”
Diz a engrupadinha ruiva, tocando o óculos.
“Eu pra ver beleza nisso quero binóculos.
A fanfarronice burra me trinca os ovos!

O que é que tem de lindo nesse refrão? Me diz.”
O agressivo tom dá a impressão de algo mais.
Não é só um rapazola que quer ser feliz;
Ao contrário, insinua briga de casais.
No mesmo tom que ele vem, ela vai que vai:
“Me dá nojo essa empáfia. Parece meu pai,
Só fica no meu pé, me contrariando. Sai!

A beleza do gesto é que me comoveu.
Você é um idiota da objetividade,
Que não vê, na atitude dos outros, seu Eu
E por isso menospreza a capacidade
Alheia e interage pela negação.”
É mesmo impressionante o efeito da reação,
Quando as palavras provocam forte emoção.

O rapazinho sai do fundo da cadeira
E quase levita na atmosfera pesada
Que a ruiva deixou no ar. “Foi uma brincadeira!
Nada sério, eu só queria fazer piada,
Mas acho que foi mal. Melhor deixar morrer
Esse assunto e partir pra outro. Pode crer,
A essa infantilidade não vou recorrer!”

Disse tudo num único sopro e ajoelhou-se:
“Eu não quero que a gente brigue, meu amor.
Me perdoe se a magoei, não foi por mal. Se fosse,
Eu não estaria assim, pedindo por favor.”
Tristes lágrimas mostram o quanto foi fundo
Em seu coração. Ela, olhando o chão imundo
Em que ele se ajoelhara, cai em choro profundo.

“Culpa do Wilson, querido, culpa desse monstro
E suas análises do romance e da vida.
Deixei-me levar pela raiva, mas demonstro
Agora que nosso amor não é de despedida.
Não quero a intelectualidade, sou tua
Mulher, quero deitar completamente nua
E amá-lo como amam as cadelas da rua! "

(1) Os descendentes de poloneses têm muita dificuldade com a sintaxe e com a pronúncia dos RR. Assim, morra vira mora, enterro, entero e aí vai. Bem como invertem as funções sintáticas e utilizam o tratamento errado: sujeito na primeira pessoa e verbo na terceira. Isso lhes dá uma graça muito peculiar e talvez seja uma das razões por serem tão bem quistos e respeitados. É só lembrar da sintaxe e do falar errado certo do nosso ítalo-brasileiríssimo Adoniran Barbosa.
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