quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

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+BENETT

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AINDA EM TRANSE

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Ao 1º de abril de 1964

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Qual é o sentido da coerência?
Dizem que é prudente observar a história
sem sofrer
Até que um dia pela coincidência
As massas tomem o poder...

Ando nas ruas e vejo o povo fraco, abatido
Este povo não pode acreditar em nenhum
partido

Este povo cuja tristeza apodreceu o sangue
precisa da morte
mais do que se pode supor

O sangue que em seu irmão estimula a dor
O sentimento do nada que faz nascer o amor
A morte enquanto fé e não como temor.


-- monólogo de Paulo, em Terra em Transe, de Glauber Rocha
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ESPERANDO...

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* A primeira edição de Esperando Godot, de Samuel Beckett, em 1952 saiu com 1.000 exemplares. Um ano depois o livro só havia vendido 400. Só quando a peça foi encenada na Broadway poucos anos depois foi que o livro começou a vender. A peça ficou em cartaz apenas seis semanas em Nova York pois foi acusada de propaganda comunista e o público sumiu. Foi o que bastou para o autor ficar famoso. Depois disso, o livro venderia mais de 2 milhões de exemplares.

** Walter Lowenfels, amigo de Beckett, era um homem muito preocupado com a condição humana. Um dia, conversando com Beckett, começou a deblaterar sobre o assunto. Beckett ouvia pacientemente, sentado em sua poltrona, até que Walter explodiu, exasperado: "Você fica aí sentado enquanto o mundo se acaba! O que você quer? O que você vai fazer?"

"Walter", Beckett respondeu, cruzando as pernas languidamente, "tudo o que eu quero é sentar minha bunda numa poltrona, dar os meus peidos e pensar em Dante."
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UMA TRADUÇÃO DE IVAN JUSTEN SANTANA

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THE TOWER OF FAMINE (A Torre da Fome)

Amid the desolation of a city,
Which was the cradle, and is now the grave
Of an extinguished people, --- so that Pity
Entre a desolação de uma cidade,
Que foi berço, e agora é sepultura
De um povo extinto, - e assim a Piedade
Weeps o'er the shipwrecks of oblivion's wave,
There stands the Tower of Famine. It is built
Upon some prison-homes, whose dwellers rave
Chora os naufrágios nessa onda obscura,
Lá está a Torre da Fome. Construída
Sobre prisões, nas quais se habita em fúria
For bread and gold and blood: Pain linked to Guilt,
Agitates the light flame of their hours,
Until its vital oil is spent or spilt.
Por pão, e ouro, e sangue: a Dor, unida
À Culpa, agita a luz dos moradores,
Até a chama vital ser consumida.
There stands the pile, a tower amid the towers
And sacred domes, each marble-ribbed roof,
The brazen-gated temples, and the bowers
Lá está a pilha, uma torre entre as torres
E os domos sacros; todo teto ornado,
Os templos brônzeos, e abrigos de flores
Of solitary wealth, --- the tempest-proof
Pavilions of the dark Italian air, ---
Are by its presence dimmed --- they stand aloof,
Ao luxo solitário, - o reforçado
Pavilhão do soturno ar da Itália, -
São diminuídos - ficam de lado,
And are withdrawn --- so that the world is bare;
As if a spectre, wrapped in shapeless terror,
Amid a company of ladies fair
E se retiram - e o vazio se espalha;
Qual se um espectro envolto em puro medo
Entre várias damas trajando gala
Should glide and glow, till it became a mirror
Of all their beauty, --- and their hair and hue,
The life of their sweet eyes with all its error,
Deslizasse e reluzisse, e em espelho
De todos esses charmes se tornasse,
E a vida desses olhos, com seu erro,
Should be absorbed till they to marble grew.
Fosse absorvida até crescer no mármore.

P.B.Shelley
Ivan Justen Santana
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SAMUEL BECKETT

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Samuel Beckett nasceu em 1906 em Foxrock, perto de Dublin. De família burguesa e protestante, estudou francês e italiano no Trinity College de Dublin, foi professor em Paris, conheceu James Joyce, regressou à Irlanda em 1931, passou por Londres e pela Alemanha, voltou a Paris quando rebentou a guerra, fez parte da Resistência. É no pós-guerra que vive o período mais intenso da sua produção literária, com a escrita em francês e entre outros textos, da peça À Espera de Godot, de uma trilogia de romances e de quatro novelas (entre as quais Primeiro Amor). Depois começa a traduzir os seus textos para o inglês e volta a escrever também nesta língua. Constrói uma obra dupla, bilingue, cada vez mais depurada. Recebe o Nobel em 1969, distribuindo o dinheiro pelos amigos. Morre em Paris em 1989.
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+ COMEDOR DE RANHO

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TEORIA DA DECOMPOSIÇÃO

Minha escola literária é o boteco,
Sol da meia-noite no cu da madrugada,
Encontro de silêncios que fazem eco,
Raspa da sociedade desequilibrada.
As teorias valem durante uma rodada,
Na seguinte já virou papo de cacareco.
Frase de efeito é trovão de gargalhada,
Coitado daquele que ousar um repeteco.
Sou um soldado romântico, em pé de guerra,
Contra tudo e contra todos os contrários
À alegria e ao lirismo bêbado do poeta.
Essa fatal mira eclipsada, que jamais erra,
É o coração, arco apto para disparos
Mortais nos hipócritas ou gente como essa
!
Comedor de Ranho
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+RUGA

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a melhor desculpa pra não pedir perdão

minha cara de fosso nunca mais sara
o baixo astral afundou de vez no buraco
mulher pra mim virou mercadoria cara
deve estar fedendo o meu sovaco

bosta de mundo onde um dia fui cair
nunca mais me levantei do destino rasteiro
o mau-humor sempre me serve de elixir
não tive competência nem pra ser blogueiro

a vida é cerol besuntado numa corda bamba
no fim ela sorri e mostra sua covinha
ruga, chão onde o tempo caga e caminha
nem morto abandono minha adorável má-fama

Ruga
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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

SUPERFUCKINGSIZEYOURSELF

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HASTA LA VISTA, AMIGOS!

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Você Jaz No Canto Desse Bar

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Composição: Dudo Remanescente


Quantas vezes eu chorei por causa de você
Por causa deste amor que só me fez sofrer
Saibas que sangrei um coração dilacerado
E lentamente eu morria deitado ao seu lado

E agora aqui sentado no canto deste bar
Eu peço que me deixe, não pense em voltar
Você me fez tão mal, aqui doente me deixou
Vomitando aquilo que dentro de mim você matou

E agora que cansei não tentarei lhe convencer
Jamais me escutou, nunca quis me entender
Desculpe minha gata, mas você quis assim
Hoje morri para você como você morreu pra mim

E agora aqui sentado no canto deste bar
Eu posso lhe dizer, baby estou bem melhor
Longe de seus braços, distante como eu quis
Não sinto sua falta, estou só, porém feliz

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O GUITARRISTA SINISTRO

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Walmor Goes, sempre à esquerda, nas três fotos;
com as bandas: Opinião Pública e Os Primatas.
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O samba que é de outros carnavais

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O grande Cartola agradece a atenção dispensada, na foto de Milton Montenegro.

Aproveito a deixa para republicar um texto sobre a folia de Momo.


Quando o ano chega a estas épocas lembro que muita gente não sabe separar o samba-samba, a instituição, com o samba-enredo ou as marchinhas, duas de suas vertentes. Algo assim como um norte-americano confundir o som do Lou Reed com o de uma dessas bandas especializadas em mega-concertos carnavalescos. Aí me lembrei de um texto que escrevi junto com o Thadeu para o encarte de um CD do Maxixe Machine, que contém a trilha sonora do filme Barbabel. Um breve ensaio que fala de samba, de poesia e de carnaval (ou a ausência dele nestas paragens subtropicais). E acabou ficando bem divertido. E quem ainda não conhece o Barbabel, corra. Por enquanto, leia o texto:

Os Acadêmicos da Sapolândia

De repente o tal do Luís Américo nos dá o X da questão

“Vou dar bolacha

em quem mexer com a minha nega

já dei colher de chá,

agora chega”.

O povão é louco mesmo. Do brejo das almas salta uma tessitura de ecos e ressonâncias, sambando a la John Donne

“cuidais que são e não são

homens que não vão nem vêm

parece que avante vão

entre doente e o são

mente a cada hora a espia

na meta do meio-dia

andais entre o lobo e o cão”.

Pérolas bóiam na lavagem atirada aos porcos da mídia, puro deleite, entortando a gramática, bagunçando a lógica (ouvide Adoniram), nos apaixonando

“pela dona do 1º andar”.

Mas

eu já disse a você

que malandro demais

vira bicho”

por isso não confunda com vanguardismo. Já no século XVII, Gregório de Matos misturava coisas de todos os povos que por aqui saqueavam e andavam

“pés de puas com topes de seda

cabelos de cabra com pós de marfim

pés e puas de riso motivo

cabelos e topes motivos de rir”.

Ouça os fonemas oclusivos bilabiais (P – surdo- e B – sonoro), nos linguodentais (T – surdo- e D – sonoro), e no velar C – surdo - formando os pares aliterativos. Quero morrer na cadência bonita do samba. Augusto dos Anjos, poeta singular, em Gemidos da Arte, faz as letras A e R voarem

“Um pássaro, alvo artífice da teia

de um ninho, salta, no árdego trabalho

de árvore em árvore e de galho em galho,

com a rapidez duma semicolcheia.

Por outro mesmo lado, Cruz e Sousa imporia ritmo forte, frenético e penetrante no soneto Acrobata da Dor

“Da gargalhada atroz, sanguinolenta,

agita os guizos, e convulsionado

salta, gavroche, salta clown, varado

pelo estertor dessa agonia lenta.”

O mestre negro ensinou nossos brancos a amar Baudelaire e Edgar Poe. Em Noel Rosa, o pulo inverso: um branco ensina nossos negros que

batuque é um privilégio”.

A doida brasileirice ecoa nas marchinhas, onde o espaçotempo desintegra a realidade

ô abre alas que eu quero passar”,

mamãe eu quero mamar”,

alalaô ô ô, mas que calor ô ô”.

Momo hoje perdeu graça, graças à reciclagem mecânica do que já está na parada. Kojak devia meter bronca nesta moçada, junto com o kung fu, chinês valente, homem pra chuchu. Mas não importa, afinal, carnaval é um bando de dedo pra cima, fantasiado de turista. Samba é de outros carnavais.

O the best do tempestuoso carnaval curitibano não é música, batuque, dança, alegoria e, sim, o glorioso nome de uma escola: Acadêmicos da Sapolândia, no qual as sílabas pulam animadamente. O solitário sambista de Curitiba é tão inédito que nem nós, que somos nós, conhecemos o Lápis. Luiz Carlos Paraná fez nascer Maria quando a folia, mas as mocinhas da cidade pensam que é filha do Roberto Carlos. Fazer o que, se é aqui

“onde moro que me sinto bem”?

Pois somente aqui,

onde ela mora”, e "a avenida tem fim"


demora essa sonoridade

“eu nunca tive pinta de eunuco

nem de voyeur do teu balacobaco

meu passarinho saiu do teu relógio cuco

você deixou meu coração batendo fraco”.


Pra terminar, uma pergunta: ouvidos novos ouvem ou vêem os sons que vêm e botam ovos?


(Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)
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POEMA 29

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Upgrade de deus

me sinto um rato
na experiência de pavlov
meu dna é a bichinha
da mosca da merda do cavalo
do cachorro do bandido

em recompensa
a ratinha fez um blow job
de apagar até o fio do pavio
do coquetel molotov

Sérgio Viralobos, Thadeu W, Edilson Del Grossi, Catarina e Ivan Justen Santana
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A DICA DO BECO, O ROBERTO PRADO

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Cruz e Souza pede passagem


Amigos. Estamos hoje aqui reunidos para ler o Cruz e Souza. Sem mais rodeios, vamos ao poema.


Vida Obscura

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste no silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-se mais simples e mais puro.

Ninguém te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu, que sempre te segui os passos,
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!

Cruz e Souza (1861 – 1898)
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terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

POEMA 9

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Eldorado

playmate elegante
pro galante cavaleiro negro andante
no brilho do sol assombrado
aguirre + eldorado

cresceu velho o cavaleiro
a sombra chegou como veio
e nenhum pedaço de chão prateado
pareceu-lhe com eldorado

quando a distância brochou a força
encontrou peregrina sombra
morena - disse ele encarnado –
onde fica essa tal eldorado ?

montanhas de lua acima
vales da sombra abaixo abisma
cavalgue audaz pelo prado
se você procura eldorado

Edgar Allan Poe
Livre adaptação de Sérgio Viralobos e Marcos Prado

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PIETER BRUEGEL

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Viagem ao planeta de Robert Crumb

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O pai dos quadrinhos "underground" recebe El País em seu refúgio francês

Iker Seisdedos
Em Sauve, França

O anúncio de que está ficando tarde para jantar pega a lenda dos quadrinhos underground Robert Crumb sentado bem atento, murmurando uma melodia e balançando o corpo com as mãos nos joelhos. Há cerca de 30 segundos o alto-falante mono cospe a sujeira acumulada durante 80 anos nos sulcos da belíssima canção caipira americana "Lost Child", gravada pelos irmãos Stripling em Alabama nos rurais anos 1920. Qualquer um que conheça algo sobre Crumb saberá que a canção, que ele escolheu com as mãos recém-lavadas entre sua coleção de 5 mil discos raros de 78 rotações, deve terminar antes que o mundo moderno siga sua marcha.

No que diz respeito a ele, o resto da vida poderia passar assim. Bem perto do velho amplificador de válvulas, absorto na música e soltando frases como: "A morte me preocupa menos do que antes. Agora que a vejo de perto não encontro razões para passar o dia me lamentando, sentindo-me miserável e angustiado".

Algo assim só pode estar acontecendo na Crumbland, uma casa de pedra sobre o rio, com sete andares lotados de coisas bonitas e uma fotocopiadora Xerox arcaica como única concessão à tecnologia. De suas janelas domina-se Sauve e as terras de vinhedos que rodeiam este povoado medieval nas colinas da região francesa de Languedoc-Roussillon, assim como um de seus personagens raquíticos galgaria o corpo de uma mulherona.

Para cá mudou-se da Califórnia em 1990 todo o universo Crumb. Os discos, os rotuladores Rapidograph e os míticos personagens: o gato Fritz, Mr. Natural, o mequetrefe atormentado de Flakey Foont ou as muito reais Aline Kominsky, sua mulher, e Sophie, filha e desenhista como papai e mamãe.

Além de, é claro, Robert Crumb (nascido em Filadélfia em 1943), que, a golpe de quadrinhos autobiográficos se transformou em um dos arquétipos mais conhecidos do gênero no mundo. E um dos menos acessíveis. Há o Crumb pervertido sexual; o Mr. Sixties, herói e carrasco da contracultura e o neurótico da família disfuncional que Terry Zwigoff retratou em um documentário perturbador. O inimigo das feministas, o "desenhista mais amado da América", a inspiração de sucessos de cinema independente como "American Splendor"... E o velho amargurado que até o final de "R. Crumb: Memórias e Opiniões", sensacional autobiografia que está sendo publicada agora em espanhol, escreve: "Minha própria condição consiste em odiar o que sou".

São a mulher Aline e o fiel amigo e co-autor do livro, Peter Poplaski, outro expatriado americano, artista de profissão, que recebem o convidado. Crumb detesta qualquer encontro marcado para falar de temas pessoais pautados (isto é, qualquer entrevista). E não é brincadeira: em Sauve circulam histórias de jornalistas que vieram de Los Angeles e voltaram por onde chegaram depois de três dias de tentativas de aproximação infrutíferas.

Na sexta-feira da semana passada, tive sorte. Perto do final da tarde, Crumb não achou má idéia jantar com o grupo depois de um dia de trabalho em sua última e ambiciosa obra, um quadrinho sobre o Gênese, e de saber através de Aline que o jornalista parecia "um ser humano decente". Vendo-o aparecer, o legendário ermitão não era apenas pose. Crumb é um tímido arrematado que se encurva esquálido, se esconde atrás dos óculos e parece ter conhecido mais gente do que teria desejado.

Mais tarde, à mesa de um restaurante vietnamita no povoado vizinho, explica: "Não vejo qual é o interesse de falar comigo. Aline é muito melhor. Me perguntam: 'Por que se mudaram para a França?', e eu digo: 'Não sei, Aline, por que fizemos isso?'"

De sua condição de notária de todas as coisas crumbianas, ela havia dado conta à tarde no estúdio de seu marido, um quarto diabolicamente organizado, com paredes forradas de quadros, de discos de blues e bonecos alienígenas.

Durante cerca de quatro horas, Aline e Peter Poplaski tinham repassado a vida de Crumb. Da infância na Filadélfia como o mediano de cinco irmãos, filhos de um fuzileiro naval e de uma "maluca", ao surgimento do quadrinho underground no final dos anos 60 em San Francisco, do qual Crumb se ergueria como um farol para "transformar-se em alguém de quem imediatamente as mulheres faziam caso". De como seus desenhos são cotados (maravilhosamente bem) em um mercado de arte que desprezam ("Fizemos um pacto com o diabo para ganhar na loteria", admite Aline) e por que Robert só coleciona discos publicados entre 1926 e 1932. Do que pensa em votar nas próximas eleições nos EUA (democrata, falta ver se Hillary ou Obama) ao dia em que Aline conheceu Robert.

"Alguém me disse... você precisa conhecê-lo, você parece um de seus personagens", lembra Aline. "Apesar de que ele tinha mulher e namorada, parecíamos predestinados... De fato, ele colocou meu sobrenome, Kominsky, em uma garota de um de seus quadrinhos antes de nos conhecermos." O tempo só fez acentuar a semelhança entre ela e os sonhos de Crumb; essas mulheres grandes, de músculos torneados e bíceps fornidos que Crumb sempre buscou, obsessivamente. Inclusive agora que Aline se aproxima dos 60 anos e é mais conhecida na região como professora de ginástica e pilates do que como artista.

Ela também desenhava quadrinhos underground na época. E sentia o mesmo impulso autobiográfico que Crumb para mostrar suas intimidades, como ficou demonstrado muito cedo em um volume que intitularam "Trapos Sujos" (1976). Com ele, inaugurou-se um gênero em que cada um se representava por seu lado em vinhetas baseadas em fatos reais (e que ainda hoje são publicadas com regularidade na revista "New Yorker"). "Não há muito o que fazer com nossa falta de vergonha", admite Aline. "É como dizer ao mundo: sou asqueroso, horrível, faço coisas censuráveis... Você ainda me quer?"

Depois de mais de 30 anos de descarnada sinceridade, o casal Crumb continua, diz Aline, fabulosa contadora de histórias de voz grave, "fazendo-se rir um ao outro" e tratando-se de um modo tão afetuoso quanto brincalhão.

"Diga-me, Robert", pergunta Aline durante o jantar. "O LSD afetou seu traço nos anos 60?"

"Sim, claro. Tomei umas 15 vezes e deixei", ele responde. "Primeiro deixei as anfetaminas, depois o ácido, os baseados, o álcool e finalmente os EUA."

O tom de Crumb se move em freqüências baixas, entre ironias e encolhimentos de ombros. "O motivo pelo qual odeio as entrevistas é que deixo sair tudo e fico vazio", havia dito antes de revelar as dificuldades do contrato que o une a seu projeto, uma recriação literal do livro do Gênese. "Me ofereceram 200 mil, que parecia um dinheirão. Três anos de trabalhos forçados depois, não é tanto."

Crumb já tem cerca de 120 páginas, nas quais recria passagens bíblicas com um detalhe nunca visto em sua obra. Para isso, todos os dias troca sua casa por um estúdio próximo cuja localização nem seus amigos conhecem. Tranca-se e desenha durante horas. Diz que precisa estar recluso para acabar sua "obra mais ambiciosa". Em um esconderijo que, depois de muito procurar, encontrou na propriedade de uma cidadã inglesa da região.

Em um detalhe mais próprio de Paul Auster, acontece que a dona da casa havia se doutorado no Gênese em Oxford e se chama Arabella Crumb (o casal a conheceu porque recebia com freqüência sua correspondência por engano). "Não creio que o resultado vá contentar ninguém", esclarece o autor. "Os judeus vão odiar que tenha posto um rosto em Deus; os cristãos, que apareça gente transando e coisas assim."

Da plausível polêmica, o casal Crumb confia que sairá um êxito editorial que lhes permita ressarcir-se do negócio que deveria ser e nunca foi a edição inglesa do livro que agora é publicado na Espanha. Fruto de meses de conversas entre Poplaski e Crumb, o volume foi editado em 2005 por "uns amigos" e lançado com grande mobilização da mídia. Poplaski e o casal embarcaram em uma turnê promocional sem precedentes, à qual um jornal inglês dedicou dezenas de páginas. As críticas foram excelentes e a estilista Stella McCartney organizou várias festas de lançamento em Londres e Nova York, cidade onde Crumb teve diante de uma Biblioteca Pública lotada um diálogo com o prestigioso crítico de arte Robert Hughes (que compara com freqüência seu xará com artistas do talhe de Bruegel).

Depois de tudo isso (que Crumb concordou em fazer com a vontade que um vegetariano comeria um javali), os editores declararam falência. E desapareceram. "Nem sequer nos pagaram o adiantamento", explica o co-autor Poplaski. "Acreditamos que venderam 120 mil cópias, que é um recorde para um livro de Robert."

Será preciso esperar outro dia para obter do desenhista uma declaração irada a respeito. Ele sempre parece ter outras coisas na cabeça. Ou a mesma o tempo todo? Quando o encontro chega ao fim, o mundo parece se aliar para produzir um episódio inequivocamente crumbiano. No fundo de uns copinhos de saquê aparece a imagem atrevida de uma asiática desnuda. Diante da qual Robert exclama: "Opa! Desta se vê todo o matagal!"

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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ESCRAVA ISAURA, U CACETE!

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Bernardo Joaquim da Silva Guimarães (Ouro Preto, 15 de agosto de 182510 de março de 1884) foi um romancista e poeta brasileiro, conhecido por ter escrito o livro de nome A Escrava Isaura.

Formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1847, e nesta cidade tornou-se amigo dos poetas Álvares de Azevedo (1831-1852) e Aureliano Lessa (1828-1861). Os três e outros estudantes fundaram a Sociedade Epicuréia. Foi nessa época em que Bernardo Guimarães teria introduzido no Brasil o bestialógico (ou pantagruélico), que se tratava de poesia cujos versos não tinham nenhum sentido, embora bem metrificados. A maioria dessa poesia não foi publicada porque era considerada pornográfica, e se perdeu. Para alguns críticos, o melhor do escritor seria o bestialógico. Um exemplo dessa produção (não-pornográfica) é o soneto Eu Vi dos Pólos o Gigante Alado.

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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

O Elixir do Pajé

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Que tens, caralho, que pesar te oprime que assim te vejo murcho e cabisbaixo sumido entre essa basta pentelheira, mole, caindo pela perna abaixo?
Nessa postura merencória e triste para trás tanto vergas o focinho, que eu cuido vais beijar, lá no traseiro, teu sórdido vizinho!
Que é feito desses tempos gloriosos em que erguias as guelras inflamadas, na barriga me dando de contínuo tremendas cabeçadas?
Qual hidra furiosa, o colo alçando, co'a sanguinosa crista açoita os mares, e sustos derramando por terras e por mares, aqui e além atira mortais botes, dando co'a cauda horríveis piparotes, assim tu, ó caralho, erguendo o teu vermelho cabeçalho, faminto e arquejante, dando em vão rabanadas pelo espaço, pedias um cabaço!
Um cabaço! Que era este o único esforço, única empresa digna de teus brios; porque surradas conas e punhetas são ilusões, são petas, só dignas de caralhos doentios.
Quem extinguiu-te assim o entusiasmo? Quem sepultou-te nesse vil marasmo? Acaso pra teu tormento, indefluxou-te algum esquentamento? Ou em pívias estéreis te cansaste, ficando reduzido a inútil traste? Porventura do tempo a dextra irada quebrou-te as forças, envergou-te o colo, e assim deixou-te pálido e pendente, olhando para o solo, bem como inútil lâmpada apagada entre duas colunas pendurada?
Caralho sem tensão é fruta chocha, sem gosto nem cherume, lingüiça com bolor, banana podre, é lampião sem lume teta que não dá leite, balão sem gás, candeia sem azeite.
Porém não é tempo ainda de esmorecer, pois que teu mal ainda pode alívio ter.
Sus, ó caralho meu, não desanimes, que ainda novos combates e vitórias e mil brilhantes glórias a ti reserva o fornicante Marte, que tudo vencer pode co'engenho e arte.
Eis um santo elixir miraculoso que vem de longes terras, transpondo montes, serras, e a mim chegou por modo misterioso.
Um pajé sem tesão, um nigromante das matas de Goiás, sentindo-se incapaz de bem cumprir a lei do matrimônio, foi ter com o demônio, a lhe pedir conselho para dar-lhe vigor ao aparelho, que já de encarquilhado, de velho e de cansado, quase se lhe sumia entre o pentelho. À meia-noite, à luz da lua nova, co'os manitós falando em uma cova, compôs esta triaga de plantas cabalísticas colhidas, por sua próprias mãos às escondidas.
Esse velho pajé de pica mole, com uma gota desse feitiço, sentiu de novo renascer os brios de seu velho chouriço!
E ao som das inúbias, ao som do boré, na taba ou na brenha, deitado ou de pé, no macho ou na fêmea de noite ou de dia, fodendo se via o velho pajé!
Se acaso ecoando na mata sombria, medonho se ouvia o som do boré dizendo: "Guerreiros, ó vinde ligeiros, que à guerra vos chama feroz aimoré", - assim respondia o velho pajé, brandindo o caralho, batendo co'o pé: - Mas neste trabalho, dizei, minha gente, quem é mais valente, mais forte quem é? Quem vibra o marzapo com mais valentia? Quem conas enfia com tanta destreza? Quem fura cabaços com mais gentileza?"
E ao som das inúbias, ao som do boré, na taba ou na brenha, deitado ou de pé, no macho ou na fêmea, fodia o pajé.
Se a inúbia soando por vales e outeiros, à deusa sagrada chamava os guerreiros, de noite ou de dia, ninguém jamais via o velho pajé, que sempre fodia na taba na brenha, no macho ou na fêmea, deitando ou de pé, e o duro marzapo, que sempre fodia, qual rijo tacape a nada cedia!
Vassoura terrível dos cus indianos, por anos e anos, fodendo passou, levando de rojo donzelas e putas, no seio das grutas fodendo acabou! E com sua morte milhares de gretas fazendo punhetas saudosas deixou...
Feliz caralho meu, exulta, exulta! Tu que aos conos fizeste guerra viva, e nas guerras de amor criaste calos, eleva a fronte altiva; em triunfo sacode hoje os badalos; alimpa esse bolor, lava essa cara, que a Deusa dos amores, já pródiga em favores hoje novos triunfos te prepara, graças ao santo elixir que herdei do pajé bandalho, vai hoje ficar em pé o meu cansado caralho!
Vinde, ó putas e donzelas, vinde abrir as vossas pernas ao meu tremendo marzapo, que a todas, feias ou belas, com caralhadas eternas porei as cricas em trapo... Graças ao santo elixir que herdei do pajé bandalho, vai hoje ficar em pé o meu cansado caralho! Sus, caralho! Este elixir ao combate hoje tem chama e de novo ardor te inflama para as campanhas do amor! Não mais ficará à-toa, nesta indolência tamanha, criando teias de aranha, cobrindo-te de bolor...
Este elixir milagroso, o maior mimo na terra, em uma só gota encerra quinze dias de tesão... Do macróbio centenário ao esquecido mazarpo, que já mole como um trapo, nas pernas balança em vão, dá tal força e valentia que só com uma estocada põe a porta escancarada do mais rebelde cabaço, e pode em cento de fêmeas foder de fio a pavio, sem nunca sentir cansaço...
Eu te adoro, água divina, santo elixir da tesão, eu te dou meu coração, eu te entrego a minha porra! Faze que ela, sempre tesa, e em tesão sempre crescendo, sem cessar viva fodendo, até que fodendo morra!
Sim, faze que este caralho, por tua santa influência, a todos vença em potência, e, com gloriosos abonos, seja logo proclamado, vencedor de cem mil conos... E seja em todas as rodas, d'hoje em diante respeitado como herói de cem mil fodas, por seus heróicos trabalhos, eleito rei dos caralhos!


Bernardo Guimarães (Ouro Preto MG, 1825 - idem 1884)
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JARDIM ELÉTRICO DE INFÂNCIA

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Filhote, não vá passear de carro
Nos arredores da pia batismal, hein !
Tá proibido de se desviar de bala perdida
Ou apostar corrida de cadeira de rodas
Com os amiguinhos do hospital
Só sai de casa depois que acabar o seqüestro
E o moço da internet tirar todas as fotos
A noite é uma criança louca


Sérgio Viralobos

ANJINHO CAIDAÇO

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Portal branco, telha preta
Feito missa na falseta,
No cú do judas me açoite,
Rua branca e eis a noite.
Vila de casas estranhas,
Arcanjos pelas persianas.
Mas, num beco, nesse instante,
Chega mau e tiritante,
O anjinho breu: deus me acuda,
Já manjei muita jujuba.
Faz cacaca e zapt ! chispa,
Mas a caca, merda à vista,
Para a lua após exame
Tal cloaca caga sangue.


Arthur Rimbaud
Livre-adaptação: Thadeu W, Ivan Justen e Sérgio Viralobos

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