sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
+PONGE
O FOGO
O fogo estabelece uma classificação: primeiro, todas as chamas se encaminham em uma direção...
(Só se pode comparar a andadura do fogo à dos animais: é preciso que desocupe este lugar para ocupar aquele outro; caminha a um só tempo como ameba e como girafa, o pescoço à frente, os pés rampantes)...
Depois, ao passo que as massas metodicamente contaminadas se aniquilam, os gases liberados vão-se transformando numa só rampa de borboletas.
(Trad: de Júlio Castañon Guimarães)
A OSTRA
A ostra, do tamanho de um seixo mediano, tem uma aparência mais rugosa, uma cor menos uniforme, brilhantemente esbranquiçada. É um mundo recalcitrantemente fechado. Entretanto, pode-se abri-lo: é preciso então agarrá-la com um pano de prato, usar de uma faca pouco cortante, denteada, fazer várias tentativas. Os dedos curiosos ficam trinchados, as unhas se quebram: é um trabalho grosseiro. Os golpes que lhe são desferidos marcam de círculos brancos seu invólucro, como halos.
No interior encontra-se todo um mundo, de comer e de beber: sob um "firmamento" (propriamente falando) de madrepérola, os céus de cima se encurvam sobre os céus de baixo, para formar nada mais que um charco, um sachê viscoso e verdejante, que flui e reflui para a vista e o olfato, com franjas de renda negra nas bordas.
Por vezes mui raro uma fórmula peroliza em sua goela nácar, e alguém encontra logo com que se adornar.
(Trad: Ignácio Antonio Neis e Michel Peterson)
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POEMA 2
o que é que eu preciso dizer
pra que vocês repitam o que eu digo ?
meu forte não é convencer
nada fiz pra ficar rico
agora faço o que for preciso
perdi o medo de ser ridículo
eu escorrego, acham bonito
eu desafino, isto é estilo
falo besteiras, eu sou um mito
este pôquer não tem porquê
vocês me pagam pra ver
morrer pobre e esquecer
Sérgio Viralobos e Marcos Prado
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AGORA FUDEU TUDO
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colocarei um pingo em cada i,
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MEA MAXIMA CULPA
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Nem sei bem por quê
Parece outro o que me olha do espelho
Pouco fiz para o merecer
Sempre fui o boyzinho mais pentelho
Um dependente do desprazer
Tanto tempo atirando balas de festim a esmo
Contra quem eu queria ser
Vou açoitar-me com um grande relho
Se voltar a falar mal de você
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10 ANOS DA MORTE DE MARCOS PRADO (02/12/06)
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Caro Marcos Prado,
Lamento informar que nosso papel terminou. Centenas de milhares de árvores tombaram ante a sanha dos escritores da casa dos poetas, que proliferam furiosamente.
A poesia morreu no romantismo e ressuscitou new romantic em curitiba, através de você e mais meia dúzia de idiotas.
Semana passada, foi finalmente assassinada debaixo de um viaduto da zona sul de são paulo, por não ter pago uma dívida de trezentos reais com traficantes de crack..
A internet, que você mal conheceu, enredou a tudo e a todos num incomensurável saco sem fundo de vacuidade.
Fizemos tantas letras de música juntos, com tal fervor juvenil, até fervor punk posso dizer, que nem vou tocar num assunto que você não merece ouvir.
Cada dia que você passa longe, estou mais certo disso.
(Engraçado, esta carta, lida hoje, não tem mais nada a ver. Porisso mesmo: lá vai !)
Forte abraço,
Sergio Viralobos
de bandeira desbragado
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ao lado da leoparda
mais um trago perfumado
labaredas nos rabos das fadas
que eu conjurava acordado
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REPETECO (A PEDIDOS)
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que tens, caralho ?
Que assim te vejo murcho e cabisbaixo,
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?
Nessa postura merencória e triste
para trás tanto vergas o focinho,
que cuido vais beijar, lá no traseiro,
teu sórdido vizinho!
Que é feito desses tempos gloriosos
em que erguias as guelras inflamadas,
na barriga me dando de contínuo
tremendas cabeçadas?
Qual hidra furiosa, o colo alçando,
co'a sanguinosa crista açoita os mares,
e sustos derramando
por terras e por mares,
aqui e além atira mortais botes,
dando co'a cauda horríveis piparotes,
assim tu, ó caralho,
erguendo o teu vermelho cabeçalho,
faminto e arquejante,
dando em vão rabanadas pelo espaço,
pedias um cabaço!
Um cabaço!Que era este o único esforço,
única empresa digna de teus brios;
porque surradas conas e punhetas
são ilusões, são petas,
só dignas de caralhos doentios.
Quem extinguiu-te assim o entusiasmo?
Quem sepultou-te nesse vil marasmo?
Acaso pra teu tormento,
indefluxou-te algum esquentamento?
Ou em pívias estéreis te cansaste,
ficando reduzido a inútil traste?
Porventura do tempo a destra irada
quebrou-te as forças, envergou-te o colo,
e assim deixou-te pálido e pendente,
olhando para o solo,
bem como inútil lâmpada apagada
entre duas colunas pendurada?
Caralho sem tensão é fruta chocha,
sem gosto nem cheirume,
lingüiça com bolor, banana podre,
é lampião sem lume
Eis que um santo elixir miraculoso
que vem de longes terras,
transpondo montes, serras,
e a mim chegou por modo misterioso.
Um pajé sem tesão, um nigromante
das matas de Goiás,
sentindo-se incapaz
de bem cumprir a lei do matrimônio,
foi ter com o demônio,
a lhe pedir conselho
para dar-lhe vigor ao aparelho,
que já de encarquilhado,
de velho e de cansado,
quase se lhe sumia entre o pentelho.
À meia-noite, à luz da lua nova,
co'os manitós falando em uma cova,
compôs esta triaga
de plantas cabalísticas colhidas,
por sua próprias mãos às escondidas.
Esse velho pajé de pica mole,
com uma gota desse feitiço,
sentiu de novo renascer os brios
de seu velho chouriço!
E ao som das inúbias,
ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea
de noite ou de dia,
fodendo se via
o velho pajé!
Feliz caralho meu, exulta, exulta!
Tu que aos conos fizeste guerra viva,
e nas guerras de amor criaste calos,
eleva a fronte altiva;
em triunfo sacode hoje os badalos;
alimpa esse bolor, lava essa cara,
que a Deusa dos amores,
já pródiga em favores
hoje novos triunfos te prepara.
Graças ao santo elixir
Do glorioso pajé,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!
Vinde, ó putas e donzelas,
vinde abrir as vossas pernas
ao meu tremendo marzapo,
que a todas, feias ou belas,
com caralhadas eternas
porei as cricas em trapo...
Graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!
Sus, caralho! Este elixir
ao combate hoje tem chama
e de novo ardor te inflama
para as campanhas do amor!
Não mais ficará à-toa,
nesta indolência tamanha,
criando teias de aranha,
cobrindo-te de bolor...
Este elixir milagroso,
o maior mimo na terra,
em uma só gota encerra
quinze dias de tesão...
Do macróbio centenário
ao esquecido mazarpo,
que já mole como um trapo,
nas pernas balança em vão,
dá tal força e valentia
que só com uma estocada
põe a porta escancarada
do mais rebelde cabaço,
e pode em cento de fêmeas
foder de fio a pavio,
sem nunca sentir cansaço...
Eu te adoro, água divina,
santo elixir da tesão,
eu te dou meu coração,
eu te entrego a minha porra!
Faze que ela, sempre tesa,
e em tesão sempre crescendo,
sem cessar viva fodendo,
até que fodendo morra!
Sim, faze que este caralho,
por tua santa influência,
a todos vença em potência,
e, com gloriosos abonos,
seja logo proclamado,
vencedor de cem mil conos...
E seja em todas as rodas,
d'hoje em diante respeitado
como herói de cem mil fodas,
por seus heróicos trabalhos,
eleito rei dos caralhos!
Bernardo Guimarães (Ouro Preto MG, 1825 - idem 1884)
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POEMA PRUM BROTHER CAIDAÇO
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ESPÍRITO DE LUTA
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Que tem medo da hematoma
Esse é o esporte
Cuida melhor do seu pelo
Quer guerra ?
Se você é um homem sem sorte
Fique longe do ringue
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UM LUGAR LEGAL PRA ESTAR
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que havia notado a mancha de sangue na minha camisa
Disse a ela: Não se preocupe, não é nada
Ela respondeu: Eu não tô preocupada
Resmunguei: é melhor assim
Achei que podia me divertir um pouco
assistindo uma luta de boxe na tv
Tirei a camisa manchada de sangue e joguei no tanque
Ela vestiu uma micro-saia e saiu pra rua
Abri uma cerveja e resolvi esperar
Os ponteiros do relógio eram guilhotinas no meu pescoço
Quando ela voltou, não falei nada
Fiquei no escuro vendo ela se mexer
deixando cair sua saia
no caminho pro banheiro
Deixou a luz acesa e ouvi o barulho
não vou usar de eufemismos nesse momento
pra dizer o que ela estava fazendo
somos um casal com tempo de serviço
nossa indiferença mútua provava isso
meu enorme peso no sofá atestava isso
Ela acendeu um cigarro no escuro da sala
e a chama do isqueiro fez com que ela me notasse
"é mais difícil do que você imagina", ela disse
e o seu desprezo me acertou como um blefe de pôquer
Ainda ficou um tempo olhando pra mim
antes de vencer o orgulho e perguntar
"O que era a mancha na sua camisa?"
"Já disse. Não é nada. Não precisa se preocupar"
Ela soltou um foda-se e foi pro quarto,
deitou e ficou fumando olhando o teto
Levantei e fui até o banheiro
Cambaleei e tive que me apoiar na porta
Abri o armário e peguei o mercúrio cromo
ou você não sabia que a maioria das histórias de amor
terminam com alguém limpando as feridas?
Mário Bortolotto
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ROLETA RUSSA
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diário de uma ninfeta prostituída
desde o princípio da humanidade
os homens corrompem as menininhas
em troca de bebida, comida
e queimadura de cigarro
eles chegam em carros possantes
sapato branco reluzente
charutos jamaica, chapéu panamá
e champagnes espocantes
os que vêm para os prazeres da carne
têm à mão um baby beef
uma garrafa de Arak
e uma carteira de free
Alessandro Wojciechowski, Antonio Thadeu Wojciechowski, Edson de Vulcanis e Marcos Prado
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terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
ATENÇÃO!!!!!!!
Henry Louis Mencken
The only difference between them
is that some admit it.
I myself deny it.
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Allan Stewart Konigsberg
SUAVE MARI MAGNO
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Lembra-me que, em certo dia,
Na rua, ao sol de verão,
Envenenado morria
Um pobre cão.
Arfava, espumava e ria,
De um riso espúrio e bufão,
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão.
Nenhum, nenhum curioso
Passava, sem se deter,
Silencioso,
Junto ao cão que ia morrer,
Como se lhe desse gozo
Ver padecer.
Machado de Assis
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