segunda-feira, 15 de outubro de 2007

COMO INVENTAR UMA DOR

(DeeDiedrich)

Comece pelo pescoço, um nó na garganta sempre ajuda, engesse o peito e contenha-se diante de qualquer possibilidade de bem estar. Nunca volte atrás.

Beber bastante é recomendável, a debilidade física é um ótimo suporte para qualquer dor. Tenha náuseas e vomite palavras absurdas sobre os seus amigos.

Seja desconfiado, paranóico e esconda-se em baixo da cama, é a única maneira de saber que o monstro não está lá.

Culpe os outros, sinta-se traído, traia se for possível e não se contente jamais. Reclame de tudo, diga que falta sal e que o filme é uma bosta. Se tudo isso não der certo tente o cotovelo, é a maneira mais fácil e eficaz de sofrer por um longo período sem ter que recorrer a qualquer outro subterfúgio.

Quando tudo estiver um lixo, comece a planejar uma vida mais saudável, faça caminhadas, coma legumes e verduras, tenha certeza que a vida vai melhorar e espere as portas se abrirem. Depois volte a ouvir canções de desamor e repita o ciclo, ou o calvário. Repetir é muito importante.

Teorize sobre a dor ou tente escrever algo que pareça uma poesia ou uma música para dar sentido ao sofrimento (confira o exemplo mais abaixo). O sofrimento deve ser convincente.

Dor de cabeça no joelho não vale, pode parecer falso e nada é pior que uma dor que não pareça verdadeira. Sofrer com convicção requer trabalho, por isso não faça nada que possa atrapalhar o martírio.

Tenha sempre na ponta da língua as seguintes palavras: sofrimento, pesar, pena, dó, piedade, indiferença, remorso, arrependimento, azar, contrição e culpa. Sentir-se culpado é fundamental.



De dentro pra fora

De fora pra dentro

Tem dor que é minha

Tem dor que eu invento

Às vezes tão sério

Às vezes sedento

Tem dor que eu não tinha

Tem dor que eu agüento

Se a angústia explode

Eu saio correndo

De dentro pra fora

De fora pra dentro

Às vezes mistério

Às vezes temendo

Tem dor que eu não tinha

Tem dor que eu invento



Não cante, é proibido dançar, não corra risco, não ame, não sonhe acordado, durma mal, durma sozinho, durma no sofá, durma na sarjeta, durma com o inimigo, durma no ponto e tenha pesadelos.

Ande feito aquele louco que chega sem nunca sair, dê passos em falso ou dê o passo maior que a perna, fique de joelhos ou de quatro, pise em quem te ama e sempre que puder tropece no passado. Mije para trás e nade contra a corrente.

Não pague o preço, seja covarde, preocupe-se com o que os outros vão pensar, tente agradar a todos e nunca diga não. Seja sempre o que esperam de você.

Abandone sonhos inteiros, tenha horror a bordas, devore corações, carregue um peso enorme preso um pouco acima do seu pé. Seja sovina, intransigente e asqueroso. Não viaje, nunca se emocione, não espere por ninguém, carregue o fardo dos outros e tenha dores na coluna.

Lembre sempre, que a melhor maneira de inventar uma dor é começar pelo pescoço: um nó na garganta sempre ajuda.

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