Comece pelo pescoço, um nó na garganta sempre ajuda, engesse o peito e contenha-se diante de qualquer possibilidade de bem estar. Nunca volte atrás.
Beber bastante é recomendável, a debilidade física é um ótimo suporte para qualquer dor. Tenha náuseas e vomite palavras absurdas sobre os seus amigos.
Seja desconfiado, paranóico e esconda-se em baixo da cama, é a única maneira de saber que o monstro não está lá.
Culpe os outros, sinta-se traído, traia se for possível e não se contente jamais. Reclame de tudo, diga que falta sal e que o filme é uma bosta. Se tudo isso não der certo tente o cotovelo, é a maneira mais fácil e eficaz de sofrer por um longo período sem ter que recorrer a qualquer outro subterfúgio.
Quando tudo estiver um lixo, comece a planejar uma vida mais saudável, faça caminhadas, coma legumes e verduras, tenha certeza que a vida vai melhorar e espere as portas se abrirem. Depois volte a ouvir canções de desamor e repita o ciclo, ou o calvário. Repetir é muito importante.
Teorize sobre a dor ou tente escrever algo que pareça uma poesia ou uma música para dar sentido ao sofrimento (confira o exemplo mais abaixo). O sofrimento deve ser convincente.
Dor de cabeça no joelho não vale, pode parecer falso e nada é pior que uma dor que não pareça verdadeira. Sofrer com convicção requer trabalho, por isso não faça nada que possa atrapalhar o martírio.
Tenha sempre na ponta da língua as seguintes palavras: sofrimento, pesar, pena, dó, piedade, indiferença, remorso, arrependimento, azar, contrição e culpa. Sentir-se culpado é fundamental.
De dentro pra fora
De fora pra dentro
Tem dor que é minha
Tem dor que eu invento
Às vezes tão sério
Às vezes sedento
Tem dor que eu não tinha
Tem dor que eu agüento
Se a angústia explode
Eu saio correndo
De dentro pra fora
De fora pra dentro
Às vezes mistério
Às vezes temendo
Tem dor que eu não tinha
Tem dor que eu invento
Não cante, é proibido dançar, não corra risco, não ame, não sonhe acordado, durma mal, durma sozinho, durma no sofá, durma na sarjeta, durma com o inimigo, durma no ponto e tenha pesadelos.
Ande feito aquele louco que chega sem nunca sair, dê passos em falso ou dê o passo maior que a perna, fique de joelhos ou de quatro, pise em quem te ama e sempre que puder tropece no passado. Mije para trás e nade contra a corrente.
Não pague o preço, seja covarde, preocupe-se com o que os outros vão pensar, tente agradar a todos e nunca diga não. Seja sempre o que esperam de você.
Abandone sonhos inteiros, tenha horror a bordas, devore corações, carregue um peso enorme preso um pouco acima do seu pé. Seja sovina, intransigente e asqueroso. Não viaje, nunca se emocione, não espere por ninguém, carregue o fardo dos outros e tenha dores na coluna.
Lembre sempre, que a melhor maneira de inventar uma dor é começar pelo pescoço: um nó na garganta sempre ajuda.
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