segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

PERGUNTE AO PÓ!

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Quem quiser seguir o conselho de Baudelaire e, vez por outra, chafurdar o focinho na lama, deve ler a obra de John Fante, ou apenas Pergunte ao Pó.

O escritor ítalo-americano John Fante nasceu no Colorado, em 1909. Sua carreira literária começou em 1929, mas só conseguiu publicar seu primeiro conto em 1932, na The American Mercury. Seu primeiro romance, Espere a primavera, Bandini, saiu em 1938. Logo após, no ano seguinte, publicou Pergunte ao pó. Em 1940 saiu uma coleção de contos, denominada Dago Red, que se encontra reunida agora no livro O vinho da juventude.

Fante também ocupou-se com roteiros de cinema para Hollywood – vale conferir o sugestivo "Walk on the wild side" (Pelos bairros do vício).

No ano de 1955 Fante começou a sofrer por causa da diabete, que o levaria à cegueira em 1978 – o que não o impediu de continuar a criar, ditando sua prosa para a sua companheira Joyce. Aos 74 anos, bastante convalescido, bateu as botas.

O prefácio traz um texto de Charles Bukowski. Ali ele narra seu interessante encontro com a obra de Fante. Bukowski procurava alguma coisa que prestasse para ler, numa biblioteca pública de Los Angeles. Cansado da mistura de sutileza, técnica e forma que encontrava nos romances, deu de cara com Pergunte ao pó. Deu uma espiada, viu que valia a pena investir tempo naquela leitura, decidindo-se por levá-lo para casa. Claro, leu numa sentada só e, depois, procurou tudo o que o escritor havia publicado. Encontrou na obra de Fante seu irmão literário.

As características que encantaram Bukowski? Um fluxo cambaleante de escrita que parecia uma mistura de jazz, conhaque barato, heroína, linhas movidas a energia descontrolada, uma emoção criada apenas por aqueles que não a temem, um humor e dor entrelaçados numa soberba simplicidade.

O livro conta a história do alter-ego do autor, o escritor Arturo Bandini, filho de imigrantes, jovem dotado de interesse por ser escritor e marginalizado pela sociedade. O personagem sente através de sua vocação literária o desejo de traduzir na sua obra o calor da vida desregrada na qual ele mesmo vive mergulhado. O romance se passa nos anos trinta, nas ruas, bares e hotéis pobres e podres de Los Angeles.

O livro é escrito em ritmo de alta velocidade, num calor próximo às apresentações jazzísticas da época. Assim também nós fazemos a sua leitura. Nesse sentido, ele anuncia o que viria a ser a prosa e a poesia da Geração Beat.

Este romance encontra sua tradução perfeita no belíssimo poema “Howl”, de Allen Ginsberg, que traduz uma geração inteira, posterior a Fante, no entanto, devedora de seu espírito literário e existencial. Um poema de longos fraseados, como o sax de John Coltrane num bar esfumaçado (danem-se os não-fumantes – que se tranquem em casa e nos deixem em paz com nossos sentimentos e bares noturnos), fruto de uma mente que corre solta, desengonçada, inspirada e selvagem. Eis um trecho do poema:

“Histéricos, nus e famintos
tragados pelas ruas negras da madrugada a procura
de um pico raivoso,
Hipsters angelicais queimando-se pela primitiva ligação celestial
Nos dínamos chocantes das engrenagens da noite,
Miseráveis e esfarrapados com olhos sagrados nas alturas do fumo
Na escuridão do topo das cidades contemplando jazz...”

Mas não se pense que o caso de Fante se relaciona com a literatura de protesto. Aqui a vida se transfigura, não em discursos politicamente corretos, mas em visões delirantes, talvez mais próximas de um Blake do que de um Marx. Os personagens de Fante se torcem pelas ruas e pela vida numa verdadeira fúria adversa, numa ambientação muito próxima a das soturnas obras criadas por Goya. Seu realismo é sujo, vulgar, pronto para a indecência e o desespero. Assim o é porque seu escritor é um selvagem, um antiintelectual.

A loucura do personagem Bandini, com seus delírios de grandeza e seu impiedoso orgulho, tem a virtude de expressar as pressões morais dos sujeitos "incorrigíveis". Sua fúria contra a religião, seu desprezo pelos débeis, seu ódio pela mediocridade burguesa e a seu próprio abatimento, são os elementos que dão a voltagem do personagem e seu encantamento.
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(Jardel Dias Cavalcanti)
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