quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

RUBENS K. ESCREVEU:

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A nuvem radioativa vem de encontro ao teu cabelo vermelho. Jogo a bituca de cigarro no mato ralo do morro. Não tô nem aí se pegar fogo. O vento, que não para, chicoteia a areia das dunas na nossa cara. Uma tarde inteira pra vadiar ao teu lado. Uma tarde inteira e eu li teus poemas mal escritos. Não tem nada de errado em não ser bom em nada, porque o nada nos pertence agora. A metade de tudo que conhecemos já não existe mais, e a que sobrou não nos interessa. Nisso você ajeita a calcinha, a saia e fica em pé, parecendo um daqueles navegadores antigos. Eu também avisto a nuvem de poeira e areia vindo em nossa direção. Se tudo acabar agora, teremos esse deserto imenso pra vagar. Dois fantasmas saqueando sonhos de areia, entrando em garrafas vazias, em pedaços de panos de bandeiras. Duas crianças em um imenso quintal arruinado, sem árvores pra subir, apenas o chão quente e imundo pra cavar esconderijos para os nossos cadáveres. Talvez o estranho nem note que estamos aqui em cima. Talvez ele seja como nós e passe sem criar confusão. Talvez só esteja perdido, viajando na direção onde o vento não seja tão severo. Quem sabe ele fracasse antes de chegar aqui. Quem sabe o deserto e a maldita areia não engulam o estranho e tudo ao redor num grande buraco direto pro inferno. Queria saber uma daquelas histórias antigas agora. Queria contar um milhão de verdades e mentiras antes que alguém corte fora nossas cabeças. Queria apenas ter outra chance. Queria que o mundo tivesse acabado por inteiro, pelo menos acabado na nossa metade. Queria rir agora, mas o vento e a areia não deixam. Então é melhor beber o resto da garrafa, fumar mais um cigarro e te abraçar esperando um longo inverno.
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