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Foi caindo em slow motion, a quase dez metros por segundo, nunca sentiu a gravidade tão psicodelicamente. O tampinha era invocado e boca dura. Passando pela cabeça histórias reais: infância, adolescência, a primeira namorada, o primeiro beijo, os colegas de escola, o primeiro cigarro, o primeiro porre, saudades da mãe. Encarou e “_ tá olhando o que, cara feia?” O pequeno respondeu “_nada, nada” e abaixou a cabeça. Agora passa o filme de sua vida adulta: o casamento, os filhos, a família, os mais chegados, seu trabalho, seus bens, suas dívidas, o que vai deixar pros herdeiros? Não precisava humilhar o nanico, tapinha na nuca quando passou, “Sai fora meio quilo de bostinha”, gargalhada da turma. No trajeto, sua cabeça bate na quina da mesa, vira e começa a cair de costas. Fazia tempo que não bebia, pensou que estava de volta às velhas tretas, quando a rapaziada media força no mano a mano, só que os tempos não eram os mesmos. Quando virou na queda, enxergou o teto do bar pintado de branco e sebento, com o acúmulo de anos e anos da fumaça dos cigarros dos bebuns, muitos que ele mesmo fumou enquanto bebia entre os amigos mais queridos. Baixinho, gordinho, sempre sozinho, cansado de humilhações, resolveu comprar a pistola, calibre 380, 15 balas no pente e mais uma na agulha, bastava só umazinha pra calar a boca de valente metido a besta. Na boca vinha o gosto de sangue misturado com ânsia de vômito, na cabeça os momentos difíceis, a perda do pai, o dia que foi despedido, as brigas, o acidente de carro, a doença do filho, a falta de grana. O baixinho não deixou barato, pistola na cinta, inscreveu-se em campeonatos de tiro e praticava semanalmente, maravilhosa era a sensação de poder por estar armado... garantido. Acentuou o gosto de sangue na boca quando a cabeça bateu no chão do bar, tudo ficou vermelho antes de escurecer. O baixinho atirou no peito, do lado esquerdo; não acertou em cheio o coração, mas rompeu artérias importantes, à queima roupa. Os olhos abertos já não enxergam mais. O baixinho entrou num táxi, vai se entregar em 48 horas pra evitar o flagrante, réu primário, bons antecedentes, responderá em liberdade, se condenado, sai logo. Tem algum dinheiro e um bom advogado. A viúva ficou desconsolada.
por: Nelson Emerson
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