terça-feira, 18 de novembro de 2008

+ 1 do RUBÃO!

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São três horas de carro daqui até Palo Verde. Palo Verde? Não me é estranho o nome. Tenho que pegar uns escritos de Armírio Puentes. Eles tem de estar na editora até às três da tarde de hoje. Meio-dia. Nem preciso olhar o relógio. A porra do sol bem em cima da cabeça, torrando tudo. A camisa aberta no peito. O suor escorrendo como uma pequena torneira esquecida aberta por mãos com unhas compridas, vermelhas. Gosto do vermelho. Juan diz que só as putas usam vermelho. À merda com Juan. O que ele entende de mulher? Que eu saiba, ele nunca esteve com uma de verdade, que fala, anda, mija, essas coisas que elas fazem o tempo todo. Tudo o que ele sabe de mulher é o que vê nas revistas de quinta categoria escondidas em lugares estratégicos. Gotan Project no toca-fitas. Toca-fitas mesmo. Tive de passar do CD pro toca-fitas. No México não existe CD Player nos carros, não me pergunte porquê. Fico imaginando ela dançando, com boca e unhas vermelhas, espalhando todo o perfume pela sala, calcinhas minúsculas. Meu pau fica duro na hora. É difícil pra caralho dirigir de pau duro. A estrada pra Palo Verde é uma merda completa. Alterna entre poeira, chão batido, pedras enormes e mais poeira, muita poeira. Você passa e deixa pra trás uma nuvem avermelhada, fina, que parece uma névoa delicada. É até bonito quando se está bem longe dela. Perto ela gruda, tranca a garganta, entope os poros, transforma o branco em vermelho levemente alaranjado. Gruda no suor. Terra desgraçada. Tenho pena e raiva das pessoas que cruzo no caminho. Toco a buzina pra saírem da frente - estou dirigindo a oitenta por hora. Devem achar que sou um louco, ou fugitivo, ou não devem achar porra nenhuma. São preguiçosos demais pra achar ou pensar alguma coisa. Muito da preguiça se deve ao calor. Quando eu trepava com ela, a cama, o chão, o teto suava. Tudo derretia. Foi a experiência mais intensa, a mais próxima de foder no inferno que eu já experimentei. Bom pra caralho. Não tenho o endereço do Puentes, pelo menos não um endereço convencional. O papel que tenho diz assim: Pegue a estrada que leva à Pedra de Santa Maria. Depois eu devo descer a primeira à esquerda de um cacto enorme. Espero que seja enorme mesmo. Cacto é o que não falta por aqui. Então devo seguir até uma porteira arruinada, com um riacho à direita da porteira, que deve estar seco nessa época do ano. Um tempo depois, devo avistar o pasto com as cabras e uma pequena montanha. Depois da montanha fica a entrada da casa do Puentes. Puta que o pariu: Cacto, porteira, rio seco, cabras, montanha. E se as cabras tiverem dado no pé? Se morreram de sede? E se arrumaram a merda da porteira? Puentes não tem telefone. Puentes não tem internet, sequer usa máquina de escrever. O cara escreve tudo a mão. Da outra vez eram mais de quinhentas folhas manuscritas numa caligrafia impecável. Ele mandou Diego Rivera avisar que acabou o romance. Diego Rivera. Esse filho da puta vive de intermediar trambiques por todo o México. Um homem de “conexões”, segundo ele mesmo. Uma vez prometeu umas putas pro lançamento da revista de artes. Fodeu com tudo. Duas eram mulheres - as mulheres mais feias que eu já vi na vida, as outras oito tinham o pau maior do que todos os presentes. O pior é que os gringos adoraram a merda toda. Tive de agüentar o Rivera dando uma de gostoso o resto do ano. Pior, tive de pagar o que ele pediu pelas “garotas”. Achei o cacto e estou descendo um barranco que um dia pode ter sido uma estrada. Não tenho nada contra a miséria, a pobreza, a exploração sexual das mexicanas, a tequila, o peiote, essas merdas de estradas. Só queria não ter de fazer parte disso o tempo todo. Ela deve estar bem longe agora. Num dia éramos amantes, no outro… Não a vi mais. Não deixou rastro, sumiu como uma nuvem de poeira. Ela não sabia que eu planejava uma vida inteira pela frente. Não sabia que eu planejava pedir a conta do trabalho e ir morar perto do mar, como planejamos. Ela não sabia que eu tinha tudo arquitetado, todos os detalhes, bem aqui dentro da cabeça. Nem me deu chance de contar. Isso que me emputeceu. Como ela pode sumir assim? Passei o pasto onde as cabras comem pedras. Estou bem perto da casa do Puentes, imagino. Não consigo decorar o caminho que faço. Sempre me perco. Sempre. Foi o pensamento nela que me tirou toda a atenção. Entro na casa do homem. Uma casa bonita de pedras rústicas. Tudo muito bonito. Diria que é sofisticado o lugar, se fosse um veado. As plantas não são secas como em todo o resto. Tem um cheiro de verde que invade o lugar todo e flores penduradas em cada canto. A sala é fresca e ampla. Mais flores. A casa toda deve ser assim. Puentes está de costas, um cara de sessenta e muitos anos, grisalho, escrevendo ou mexendo em alguma coisa numa gaveta. Ela está deitada, adormecida no sofá, nua. Paro ao lado da mão pendente de unhas vermelhas e olho bem pra sua boca borrada de vermelho. Na volta me perco e não consigo achar a porteira. Quer saber? Que se foda esse trabalho idiota. Que se foda Puentes e ela e a cor vermelha. Na minha frente tem uma estrada que é uma reta só. Deve dar em algum lugar com um daqueles bares que só o México tem. Uma nuvem de poeira me persegue por todo o caminho. Uma nuvem de poeira e o manuscrito de Puentes, voando desordenadamente atrás do carro. O México é uma grande merda, se você quer saber.
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