sexta-feira, 7 de novembro de 2008

POR QUE NÃO LER?

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Rubens e eu, numa noite dessas.


De Rubens K.:

Desespero e agonia também vem de cima


Tem um gato desesperado alguns andares acima do meu. Disseram que é um papagaio. Se for, o desgraçado é muito bom. Conseguiu realmente me enganar. Tenho aversão a essas aves. Parecem mais inteligentes do que realmente são. Sei que são bichos estúpidos. Mas, e se não forem? Eles podem saber coisas demais. Tenho que aprender algumas canções, mas não consigo me concentrar em nada. Então fui fazer comida. Fiz um bom feijão. Comi com arroz de ontem e ovos. Estava muito bom. O segredo é imaginar que está cozinhando para alguém importante e está fazendo o melhor prato da casa. Às vezes funciona. Nem sempre dá certo. Conforme a pessoa que você imagina, tem vontade de cuspir no prato. Procuro pensar em quem admiro. Me sinto ridículo no momento seguinte, cozinhando pra quem eu admiro e sabendo que poderia também ser quem ele é, se tivesse em igualdade de condições. Não posso me dobrar a isso. Daí largo tudo e vou fumar um cigarro, deixando o almoço pra lá. A vida é para os de bom espírito. Li isso em algum lugar. Não faço idéia do que realmente significa. Parece mais uma daquelas pregações tentando convencer do pecado todo em que a vida está atolada e que você deve contribuir com o dízimo periodicamente, para aliviar a dor. Nesse sentido, as putas são a melhor igreja que conheço. O gato voltou a miar. Parece sentir fome, frio, raiva, tudo ao mesmo tempo. Parece que está com a espinha quebrada e seu apartamento está em chamas e ele insiste em lutar. Respeito isso. Pessoas se atiram pela janela de prédios em chamas o tempo todo, em vários lugares, quase simultaneamente. Poucos têm coragem de tomar a atitude certa. Visto lá de baixo, da segurança da calçada, parece um ato covarde, impensado. O único ato impensado que eu conheço é o nascimento. Uma longa e tranqüila noite lá fora. Um burburinho de desespero começando aqui dentro. Talvez eu deva ir ver se é realmente uma porra de um papagaio dublando gatos. Se for, ele está morto. Se for um gato, vou me juntar a ele. Talvez quebre a minha espinha e incendeie o apartamento apagando as pontas de cigarro no tapete. Talvez eu faça isso mais tarde.

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