sexta-feira, 7 de março de 2008

DO AUTO-ATRAPALHO À CULPA DOS OUTROS: A ARTE DE DAR ERRADO

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De certo modo é reconfortante saber que o costume de dar com os burros n’água e ver a vaquinha brejeira atolada até o gorgomilo não é um problema pessoal, mas característica profunda da alma brasileira. Atire o primeiro projeto gorado aquele que dentre vós nunca fracassou. Por isso, não fique triste, não se zangue, sossegue o coração: esse tropismo ancestral para o infortúnio não é motivo de vergonha ou constrangimento. Não precisa discutir com a patroa, bater nos filhos e sair par aí atropelando velhinhas por uma coisinha à toa dessas. Sem escândalos e chiliques, por favor. Afinal, não é culpa de ninguém.

Fracassamos, sim, e daí? Talvez seja um resquício do carma coletivo pelos pecados da escravidão o que nos leva a achar razoável comprar uma kombi para puxar banana caturra de Antonina, empacotar farinha suruí de Guaraqueçaba, distribuir pinga com mel de Morretes. Quem sabe as atrocidades cometidas contra os paraguaios ainda atraiam espíritos vingativos que nos cochicham para investir em avestruz, plantar pupunha, abrir aquela pousada em Matinhos ou mais um bar em Curitiba. E essa pressa de enfrentar o muro com a cabeça, essa disposição de abrir caminho para o abismo, essa ânsia de esmurrar pontas de faca, essa vontade de pegar o touro à unha, essa coragem de passar a mão no traseiro do Mike Tyson – tudo isso não pode ser considerado também um grande fator de integração nacional?

Portanto, nada de ficar lamentando igual a um maricas. Você não é melhor do que ninguém por ter duas ou três firmas enroladas, pessoas jurídicas que, aliás, jamais sairão dos registros oficiais, pois está cientificamente comprovado que é impossível fechar uma empresa neste país. Se a paciência do Bush permitir e o mundo sobreviver, o seu tropeço ficará eternamente a engordar os números da nossa economia, alimentando as estatísticas e comprovando a espetacular habilidade dos governantes de plantão em sua santa tarefa de disseminar o espírito empreendedor. Chega de choramingos, isso aí é só mais um pouquinho de Brasil, iaiá.

E se o Brasil houvesse levado a Copa do Mundo pela sexta vez? Isso não teria sido uma ofensa à nação, espécie de humilhação coletiva, sucesso capaz de esmagar gente como a gente, que usa as pilhas de recibos e cartões das firmas falidas para anotar recados telefônicos e nivelar o pé do armário? Nada disso. Basta lembrar que os nossos clubes são tão perdedores que nenhum daqueles hoje apedrejados artistas da bola joga no time nosso ou no time teu - sequer moram no país do futebol.

E para que você fique totalmente reconfortado, saiba que o caneco mundial do empreendedorismo é verde e amarelo: são mais de 500 mil novos negócios abertos por ano. Recorde absoluto. Mas, como não deixamos por menos e queremos ser campeões em tudo, cerca de 450 mil dessas portas se fecham antes de completar 12 meses, marcadas pela asa do corvo, levadas no bico do urubu e arrastadas para as profundezas pelo tsunami constante dessa maré de azar. Sorte nossa: é nós na fita, é o Brasil na frente, é outra medalha de ouro para a coleção.

Devagarzinho, quase sem querer, socializamos o azar. Quando não chutamos direto na bandeirinha de escanteio, tudo sempre dá na trave para todos, indistintamente, pois ela é grossíssima, o gol é pequeno, o goleiro é imenso, a bola é quadrada e o gramado também não ajuda. Pobres e ricos, irmanados, estão fracassando e andando juntos por este país-continente. Os humildes querem ir dar banho em defunto no exterior, voltar com uma bela bolada e abrir a franquia estrangeira que estiver mais em conta. Os posudos esperam que, no último minuto da prorrogação, chegue aquela multinacional para injetar uma grana preta nas suas outrora prósperas marcas e, de xepa, sonham emplacar um emprego de executivo na ex-empresa, pois – não é nada, não é nada – ao menos aparece na televisão. A gringarada, mesmo sem entender direito o que se passa, compra tudo e ainda paga mais do que valemos. Pedem logo dois, um para comer no local, outro embrulhado para viagem. Lá de onde eles vêm ninguém gosta de ser chamado de “looser” – felizmente um termo sem tradução em português. Então, dão a maior força, que é para a gente não ficar na pior.

Agora, me desculpem, vocês são muito boa gente, o papo estava ótimo, mas eu tenho que resolver uns negócios, acertar com o contador, passar na prefeitura, tirar licença, comprar um carrinho, falar com o vereador, conseguir um ponto. Pois com essa minha idéia genial do cachorro-quente de três vinas não tem erro: é correr para o abraço. Ou para a fronteira do México.

(Roberto Prado - publicado originalmente na revista Idéias)

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