quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A NOVELHA DO POLACO DA BARREIRINHA, CAPÍTULO 3!!

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O DIA QUE EU MATEI O WILSON MARTINS

de Antonio Thadeu Wojciechowski



Capítulo 3
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Não é fácil ser Wilson

“Todos os homens são mentirosos, trapaceiros.
Alguns, mais; outros, menos. Nós não somos nada.
Poucos dormem em paz sobre seus travesseiros;
A maioria quer é salvar sua alma penada.
Têm pesadelos de olhos abertos, vêem demônios
Na cola de seus calcanhares, rezam bíblias,
Lêem auto-ajuda, crêem nos avisos dos sonhos,
Depois cercam eletricamente suas ilhas.”

Disse e largou a pilha de livros na mesa,
Como se nos dissesse leiam, desgraçados!
Os cabelos revoltos dão-lhe uma beleza
Quase que feminina. Olha para os lados,
Como quem desafia e espera uma resposta,
Mas ninguém lhe dá bola. Querem saber mais
Da love story ao centro. Afinal, quem não gosta
De uma novela em tempo real, sem comerciais?

Apesar de engraçada, a cena comove
A todos. O polaco tem os olhos turvos,
Como se a qualquer hora, igual a um céu que chove,
Fosse despejar rios, milhões de metros cúbicos
De água, e nos afogar em suas mágoas profundas.
O tal senhor de aspecto grave está parado,
Algo parece lhe imobilizar as juntas.
Apenas seu olhar treme, maravilhado:

“Querida, nem toda a assimilação teórica
Resulta em saber prático. Você precisa
Separar sempre mestre e lição. Meteórica
É a vida; fugaz, o presente; imprecisa,
Toda e qualquer certeza. Mestres são caminhos,
Cabe ao discípulo buscar a trilha real.
O mais incorruptível entre os pergaminhos
Pode ser maculado por tintas do mal.

Culpar o Wilson é fácil, até muito cômodo,
Mas creio que a razão de todo sofrimento
Está dentro de nós mesmos. Perdoe o incômodo,
A uma prova de amor não cabe julgamento,
Mas não pude ficar indiferente ao seu
Desabafo e lhe peço desculpa outra vez
Por esse atrevimento. Não sei o que me deu,
Mas sei o que o amor comigo, um dia, fez.”

O seu semblante grave, pálido de espanto,
Transfigurou-se rapidamente. Porém,
Mantendo a calma, volta quieto ao seu canto,
Deixando todo mundo calado também.
Só depois de alguns longos segundos, a ruiva
Resolve falar: “Certo, o senhor está certo!
Foi leviano de minha parte tornar pública
Minha covarde e tola opinião, mas espero

De todos que aqui estão presentes o perdão.
O amor tem artimanhas sutis, armadilhas
Ardilosas. Com elas, nega ao coração
O entendimento e o mantém entre as presilhas
Da dúvida e do ciúme. Sou melhor ou pior
Do que alguns de vocês? Não acredito nisso.
Razões se têm de sobra, sabemos de cor
E salteado o que torna o peito movediço.

Se a mim, o amor faltasse, eu morreria de dor
E desespero, bem mais do que morro agora,
Que me sinto completamente viva. Por amor,
Guerras foram travadas pelo mundo afora.
Nações e mais nações sucumbiram ao jugo
Indiferente e cruel de suas grandes tenazes,
Quando não satisfeito. Inferior não me julgo
Se a dor desperta meus instintos kamikazes.

A verdade parece falsa, mas não é.
Este menino foi de uma tal humildade
Que, francamente, trouxe-me de volta a fé,
A esperança no futuro da humanidade.
Num dia triste como hoje, marcado pra sempre
Pela violência que assassinou nosso crítico
Wilson a sangue frio, foi muito comovente
Tudo que ele me disse. Só mesmo um anticristo

Poderia ignorar tanta nobreza de alma.”
A garçonete ataca: “Me dá nojo ser
Testemunha ocular da rebeldia sem causa
Dessa garota tola, que imagina ter,
Dentro do seu corpinho sexy, a experiência
De uma puta de rua, que leva pau do amante
E dá grana pro gigolô. Haja paciência!
Dessa escola, querida, já fui estudante.

E, para não mentir, me expulsaram graduada.
Fique aí com seu bofe, que a mamãe aqui
Tá fora desse blá-blá-blá!” A desbocada
Sai, rebolando mais que a miss Superagui.
“Sua vagabunda! Puta rampeira de merda!
Quem você pensa que é, pra falar assim, hein?!
Volte aqui, sua cadela! Está se achando esperta?
Vou te encher de porrada e não tem nhém-nhém-nhém!"

As duas partem pra porradaria, valendo
Tudo: tacle, dentada, arranque de cabelos,
Cuspe no olho do cu, chave de buça, dedo
No clitóris, unha encravada, pentelhos
Na língua, rala-coco, chupa-chupa, oba!
Meus queridos leitores, é tanto erotismo
Que eu já estou c’o meu duro. Ou pensam que é sopa
Ver duas boazudas pau a pau sem fetichismo?

Não vi ninguém a fim de separar a briga.
A essa altura, bêbados, putas, rufiões
E demais cidadãos de bem faziam torcida
Para uma das duas musas, soltando rojões
E gritos de prazer. As calcinhas à mostra,
Coxa ante coxa, sexo sobre sexo, bocas
Abertas, línguas, água nos lábios: amostras
Dessa sensualidade que jorra das loucas.

O senhor de aspecto grave manda uma bronha
Sob a mesa, pra bispo nenhum por defeito.
Seu bigode tremula, mas o sem-vergonha
Não está nem aí. Quer esporrear do jeito
Que sempre quis e foda-se o mundo todo.
A ruivinha, gostosa, mais se esfrega na outra
Do que luta. Seus gestos sensuais botam fogo
Nas entranhas da jovem que age como potra.

E as duas unidas, úmidas, súbito se olham,
Olhos nos olhos, mira e alvo, arco e flecha.
A garçonete, em transe, pelas mãos que a tocam,
Dá impressão de gozar, mas o pau recomeça.
A cena que se segue, Hollywood não filma,
Filmou ou filmará. Não são só os dois corpos
Exaustos de emoção; não, não são. Acima
Deles, toda a paixão humana, pelos poros,

Vaza e estrebucha. Nada mais importa... nada!
Dura bem pouco o arranque final: exauridas,
Caem lado a lado e histéricas, ira apagada,
Riem risadas que nunca riram em suas vidas.
Estão semi-nuas, belas como na Criação,
Inocentes, puras, livres de todo o pecado.
Vendo-as assim, em êxtase, sei como são
Os anjos e os porquês de Deus por tê-los criado.

Se fossem homens, é certo que não houvesse
Prazer em se mostrar, sem rubor, sem vergonha;
Mas, mulheres, estão acima do S.O.S.
Que certos machos lançam à moral medonha.
Saindo do torpor, a ruiva, contra-ataca:
“O Wilson vai pagar caro por esses anos,
Que perdi analisando orelha e contracapa
De suas obras repletas de erros e enganos!”

A linda garçonete beija-a suavemente
Na boca e, com a graça que algum deus lhe deu,
Levanta-se, fazendo bem rapidamente
Um leve alongamento: “Faça como eu,
Querida. Perder tempo é pra trouxa e jacu.
Cobrar o que de um morto? Você acreditou,
Fez dele o seu guru, então vai tomar no cu.
Escafandrista da alma é o Jacques Cousteau:

Esse sim foi bem fundo e mostrou as belezas
Do mundo, não ficou só falando e contando
Histórias mal-contadas. Não tenho certezas
Suficientes, nem pretendo tê-las quando
Envelhecer. Na dúvida, a vida é sempre
Melhor.” Falou com tanta franqueza que a ruiva
Retribuiu abraçando-a doce e meigamente.
Longe dali, na tumba, o vento faz a curva

E sobe aos céus, deixando folhas secas, pó
E cisco aos pés da cruz. Wilson não sente as balas
Nem o peso do chumbo no cérebro. Só,
Completamente só, dorme um sono sem asas,
Sem dores, sentimentos, sentidos, sem sempre...
No bar, a madrugada ferve um caldeirão
De egos desencontrados. Bem à minha frente
Os bebuns, em festa, brindam por qualquer razão.

Súbito, o cabeludo sobe na cadeira
E, lançando seus livros, a torto e a direito,
Com voz de mulher-macho e um pouco de gagueira,
Pelos nervos à flor da pele, berra: “Peito.
Te-tem que te-ter peito pra ser homem mesmo.
E o Wilson teve peito!” Uma gargalhada
De balançar o prédio e derreter torresmo
Interrompeu a hilária e mal-colocada

Introdução. Porém, refeito, recomeça:
“Sucumbir à pilhéria, ao chiste, ao escárnio
E à troça, desgraçados, é pra quem não presta.
Os homens elevados, de saber atávico
E inteligência nata, não se dimensionam
Por tão rasas medidas, apenas se valem
De seus conhecimentos e revolucionam
Ou criam barbaridades, como Hitler e Stalin.

De suas avaliações e julgamentos, todos
Vocês, sem exceção, se servem pra, depois,
Saber o que fazer. Não os trato por tolos
Nem por desavisados, mas sim por arroz
De festa, que está em todas e em lugar nenhum.
Não pagam nem a luz e querem botar banca,
Seus hipócritas, vermes, fariseus. É ruim,
Hein? Ser tal qual a noiva impura em veste branca,

Que quanto mais adoça o olhar, mais salga a alma.”
Ninguém entendeu porra nenhuma. Vazado
De luz, “o mulher”, perde totalmente a calma,
Quando descobre o apelido que haviam lhe dado.
Furioso, ele retoma um tom acima: "Merdas,
Vocês são uns panacas, não têm compromisso,
Transformam as esposas em objetos, servas
Ou múmias paralíticas, ruins de serviço,

Piores ainda na cama e péssimas consortes.”
Ia falar mais alguma coisa, mas voa longe.
“Fala mal de meu Ana, apanha, eu dá fortes
Muros no bariga, deixa escura a horizonte.”
O mulher quer xingar, porém vendo o poder
Do braço do polaco, recua e se encolhe.
Duas no estômago bastam e já deu pra ver
Que o pierogi é mole mas não é rocambole! (1)


(1) Pierogi, fala-se pirógui. Espécie de pastel, comida típica polonesa.
A expressão significa que a situação está mais pra salgada que pra doce.
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