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de Antonio Thadeu Wojciechowski
Capítulo 10
Existe crime perfeito, Wilson?
“A morte é o fim da linha. Descansou, babau!
De lá ninguém voltou para contar história.
Você nem nasceu e já começa a ir embora.
Vida é curso preparatório, no final,
Você sempre cai duro, algodão nas narinas,
Mãos cruzadas, rosário sobre elas, as flores
A cobrir teu cadáver, a guerra de odores
Àquele cheirão enjoado de mil naftalinas.
E cem velas acesas anunciando o inferno
Que vai ser tua entrada triunfal no fogo eterno.
Que coisa mais patética, você, em silêncio,
E tem vozes dando uivos de dor e tristeza,
Enquanto outros nem fazem a gentileza
De homenageá-lo em breves assôos ao lenço.
Seis mãos vão entregá-lo frio, em domicílio,
Ao coveiro insensível que, em ágeis pazadas,
Vai mandá-lo de vez às bocas esfomeadas
Dos vermes, que ao banquete irão dar início.
A horrenda comilança, de apenas um prato,
Só chegará ao fim, após o último naco.
Pronto, aí está você, um monte de ossos brancos
Secando até virar pó. Só pó. Pó de ser...
Pode ser ou não, eis a questão do viver.
Foi bom andar então aos trancos e barrancos?
Agora não tem volta. É pra sempre. Fim.
Acabou-se a vaidade de querer ser mais
Do que os outros. Adeus, orgulho! Adeus, geniais
Tiradas de espírito, ficamos assim!
Entre nós o silêncio sempre disse tudo
E falou alto enquanto estive só e mudo.
Você, morto; eu, vingado. Foram trinta anos
De humilhações, tristezas, engolindo sapos.
Todo dia acordava, ouvindo os teus papos
Intermináveis, chatos, e refazia os planos
De acabar com tua vida na primeira chance.
Me dediquei de corpo e alma a você.
Eu não casei, não tive filhos, pra poder
Ler, estudar, pensar e escrever com o alcance
Dos grandes Mestres. Fui um idiota completo,
Imaginando ser seu autor predileto.
Você riu dos meus poemas, taxou-os de medianos,
Deu-me livros de Affonso e Bruno para ler
E disse-me: “Aqui, gênios que têm o que dizer
E o dizem com real perfeição. Não há enganos!”
Eu li de cabo a rabo a obra desses dois,
Com coração faminto de estrelas e céus
Nunca antes navegados e só encontrei véus
Obnubilando sóis, que se apagaram depois.
Minha alma entristeceu sem remédio ou cura,
Mas a luz do dia deu rumo à minha loucura.
Criei ódio da poesia e nunca mais li de novo.
Cinco anos se passaram e um simples bom-dia
Me fazia gaguejar, mas eu bem o servia
E jamais me escapou um resmungo ou muxoxo.
Planejei em detalhes seu assassinato,
Pus cópias de suas chaves na bolsa da ruiva,
Sua aluna favorita, e na da dona Augusta,
Pus também sua corrente, que eu havia furtado,
Meses antes. Seus livros, os de cabeceira,
Enviei-os ao rapaz de enorme cabeleira.
Tudo perfeito, professor. Os que mantinham
Contato c’o senhor, foram incriminados.
E, a essa altura, devem estar ocupados
Negando acusações que nunca mais terminam.
Meu depoimento foi preciso como um corte
A laser. Cada sílaba soou verdadeira,
Triste e emocionada. Nenhuma besteira,
Nenhum deslize, eu não precisei da sorte.
E nem tive problemas morais por mentir,
Inverter, inventar, encobrir ou fingir.
Mas a sorte me sorriu, colocando os três
No mesmo bar e sendo presos na mesma hora.
Seus dólares estão bem guardados agora,
Em um esconderijo. Guardei, mês a mês,
Mais alguns. Não terei problemas com dinheiro.
A aposentadoria está bem encaminhada
E a vida é bela quando tem uma bolada
À sua espera e o tempo livre o dia inteiro.
Felicidade é vitória espiritual,
Quem vence colhe os louros; quem não, leva pau!
Voltei a fazer versos como antigamente.
Seu epitáfio foi de matar, obra prima.
Ganhou tanto elogio, que minha auto-estima
Nunca esteve tão bem. Soou admiravelmente:
“Amou muitos livros, ainda está entre os vivos!”
Bati em sua máquina e sujei com sangue
Seu o papel, como foi provado no exame.
Daí montei a cena - seu corpo entre os livros,
Mão sobre o coração, os olhos bem abertos,
Um pé descalço - que enganou os mais espertos.
O seu cofre arrombado virou coqueluche.
Se tivesse toda essa grana que divulgam,
Viveria como um rei, mas tudo bem. Julgam
Só pelas aparências. Quanto mais se esmiúce
A investigação, pior para eles, coitadinhos.
Estão mais por fora que umbigo de vedete.
É o que dá se meter com quem não se conhece.
Sou um gênio da raça, mexendo os pauzinhos!
E o tempo foi passando, passando, passando,
De novos crimes os jornais se alimentando.
Quer saber no que deu o tal do julgamento?
O Mulher foi pro Manicômio Judiciário,
A ruiva pegou três anos, o milionário
Pastor saiu limpo, sem nenhum envolvimento.
Augusta, sua diarista, e mais toda a quadrilha,
Vão passar oito longos anos no xadrez.
E eu, seu fiel mordomo, o turista da vez,
Viajarei mundo afora, de uma maravilha
À nova maravilha, escandindo meus versos,
Criando paralelamente outros universos.”
A Wilson foi permitido ouvir cada palavra
E a cada palavra que ouvia, sua alma inteira
Sacudia de terror, desespero e à beira
De um colapso nervoso, que já o sufocava,
Clamou aos céus: “Vingança! Eu quero vingança!”
Deus, muito entristecido, põe-se a meditar:
“Dei-lhe caminho, luz, e ei-lo assim a gritar,
Como um demônio louco quebrando a aliança.”
E entre as flores do céu pensou com seus botões:
“Errei, não será um poeta em mil nem em milhões!”
Fim
Antonio Thadeu Wojciechowski
~~
de Antonio Thadeu Wojciechowski
Capítulo 10
Existe crime perfeito, Wilson?
“A morte é o fim da linha. Descansou, babau!
De lá ninguém voltou para contar história.
Você nem nasceu e já começa a ir embora.
Vida é curso preparatório, no final,
Você sempre cai duro, algodão nas narinas,
Mãos cruzadas, rosário sobre elas, as flores
A cobrir teu cadáver, a guerra de odores
Àquele cheirão enjoado de mil naftalinas.
E cem velas acesas anunciando o inferno
Que vai ser tua entrada triunfal no fogo eterno.
Que coisa mais patética, você, em silêncio,
E tem vozes dando uivos de dor e tristeza,
Enquanto outros nem fazem a gentileza
De homenageá-lo em breves assôos ao lenço.
Seis mãos vão entregá-lo frio, em domicílio,
Ao coveiro insensível que, em ágeis pazadas,
Vai mandá-lo de vez às bocas esfomeadas
Dos vermes, que ao banquete irão dar início.
A horrenda comilança, de apenas um prato,
Só chegará ao fim, após o último naco.
Pronto, aí está você, um monte de ossos brancos
Secando até virar pó. Só pó. Pó de ser...
Pode ser ou não, eis a questão do viver.
Foi bom andar então aos trancos e barrancos?
Agora não tem volta. É pra sempre. Fim.
Acabou-se a vaidade de querer ser mais
Do que os outros. Adeus, orgulho! Adeus, geniais
Tiradas de espírito, ficamos assim!
Entre nós o silêncio sempre disse tudo
E falou alto enquanto estive só e mudo.
Você, morto; eu, vingado. Foram trinta anos
De humilhações, tristezas, engolindo sapos.
Todo dia acordava, ouvindo os teus papos
Intermináveis, chatos, e refazia os planos
De acabar com tua vida na primeira chance.
Me dediquei de corpo e alma a você.
Eu não casei, não tive filhos, pra poder
Ler, estudar, pensar e escrever com o alcance
Dos grandes Mestres. Fui um idiota completo,
Imaginando ser seu autor predileto.
Você riu dos meus poemas, taxou-os de medianos,
Deu-me livros de Affonso e Bruno para ler
E disse-me: “Aqui, gênios que têm o que dizer
E o dizem com real perfeição. Não há enganos!”
Eu li de cabo a rabo a obra desses dois,
Com coração faminto de estrelas e céus
Nunca antes navegados e só encontrei véus
Obnubilando sóis, que se apagaram depois.
Minha alma entristeceu sem remédio ou cura,
Mas a luz do dia deu rumo à minha loucura.
Criei ódio da poesia e nunca mais li de novo.
Cinco anos se passaram e um simples bom-dia
Me fazia gaguejar, mas eu bem o servia
E jamais me escapou um resmungo ou muxoxo.
Planejei em detalhes seu assassinato,
Pus cópias de suas chaves na bolsa da ruiva,
Sua aluna favorita, e na da dona Augusta,
Pus também sua corrente, que eu havia furtado,
Meses antes. Seus livros, os de cabeceira,
Enviei-os ao rapaz de enorme cabeleira.
Tudo perfeito, professor. Os que mantinham
Contato c’o senhor, foram incriminados.
E, a essa altura, devem estar ocupados
Negando acusações que nunca mais terminam.
Meu depoimento foi preciso como um corte
A laser. Cada sílaba soou verdadeira,
Triste e emocionada. Nenhuma besteira,
Nenhum deslize, eu não precisei da sorte.
E nem tive problemas morais por mentir,
Inverter, inventar, encobrir ou fingir.
Mas a sorte me sorriu, colocando os três
No mesmo bar e sendo presos na mesma hora.
Seus dólares estão bem guardados agora,
Em um esconderijo. Guardei, mês a mês,
Mais alguns. Não terei problemas com dinheiro.
A aposentadoria está bem encaminhada
E a vida é bela quando tem uma bolada
À sua espera e o tempo livre o dia inteiro.
Felicidade é vitória espiritual,
Quem vence colhe os louros; quem não, leva pau!
Voltei a fazer versos como antigamente.
Seu epitáfio foi de matar, obra prima.
Ganhou tanto elogio, que minha auto-estima
Nunca esteve tão bem. Soou admiravelmente:
“Amou muitos livros, ainda está entre os vivos!”
Bati em sua máquina e sujei com sangue
Seu o papel, como foi provado no exame.
Daí montei a cena - seu corpo entre os livros,
Mão sobre o coração, os olhos bem abertos,
Um pé descalço - que enganou os mais espertos.
O seu cofre arrombado virou coqueluche.
Se tivesse toda essa grana que divulgam,
Viveria como um rei, mas tudo bem. Julgam
Só pelas aparências. Quanto mais se esmiúce
A investigação, pior para eles, coitadinhos.
Estão mais por fora que umbigo de vedete.
É o que dá se meter com quem não se conhece.
Sou um gênio da raça, mexendo os pauzinhos!
E o tempo foi passando, passando, passando,
De novos crimes os jornais se alimentando.
Quer saber no que deu o tal do julgamento?
O Mulher foi pro Manicômio Judiciário,
A ruiva pegou três anos, o milionário
Pastor saiu limpo, sem nenhum envolvimento.
Augusta, sua diarista, e mais toda a quadrilha,
Vão passar oito longos anos no xadrez.
E eu, seu fiel mordomo, o turista da vez,
Viajarei mundo afora, de uma maravilha
À nova maravilha, escandindo meus versos,
Criando paralelamente outros universos.”
A Wilson foi permitido ouvir cada palavra
E a cada palavra que ouvia, sua alma inteira
Sacudia de terror, desespero e à beira
De um colapso nervoso, que já o sufocava,
Clamou aos céus: “Vingança! Eu quero vingança!”
Deus, muito entristecido, põe-se a meditar:
“Dei-lhe caminho, luz, e ei-lo assim a gritar,
Como um demônio louco quebrando a aliança.”
E entre as flores do céu pensou com seus botões:
“Errei, não será um poeta em mil nem em milhões!”
Fim
Antonio Thadeu Wojciechowski
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