segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A NOVELHA DO POLACO DA BARREIRINHA, CAPÍTULO 6!!

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O DIA QUE EU MATEI O WILSON MARTINS

de Antonio Thadeu Wojciechowski



Capítulo 6

Nem tudo que reluz é Wilson.


Deus, do alto de suas máximas alturas, diz
À penca de anjos puxa-sacos a seus pés:
“Recebi informações de que ninguém o quis
E sendo assim, será lançado a pontapés
No limbo? Lavarei as mãos na sua inocência.
Tragam-me uma bacia com a marca Pilatos:
Desse modo aproveito para dar assunto
Aos críticos, aos biógrafos e engole-sapos
Como vocês. Adoro aparecer e muito mais
Ainda representar. Vamos com isso, rápido!
Cadê o maquiador ? Quero estar um tanto pálido.

Chamem Mozart e peçam a ele algo divino,
Como trilha da cena. Na iluminação, Buda
É hors-concours. Van Gogh fica com o pepino
De dar tintas ao cenário, ok? Ai, Deus me acuda!
Tenho que fazer tudo, qualquer dia descrio
O universo e nem pisco. Ô racinha inútil!
E parem de voar à minha volta, estão no cio?
Chamem a minha claque, ela me vai ser útil,
No momento do gran finale. Meu laptop!,
Preciso de umas frases de efeito do estoque.

Vou passar os e-mails com um vírus novo,
Que acabo de criar. Caos será o nome, aliás.
Vai ser bem divertido ver todo esse povo
Formatando suas máquinas e em Satanás
Jogando a culpa. Ih, ih, ih, eu sou diabólico!”
Sai e vai tomar banho, ansioso com a estréia.
Volta cheirando rosas, veloz como um bólido.
Espia pelas cortinas se é grande a platéia.
“A casa está lotada, senhor, acredite,
Mas já há um Movimento dos Sem Convite!”

“O quê? O MSC está à minhas portas?”
“Sim, meu Deus, pelo menos dez dúzias deles.”
“Carácoles! Estou certo por linhas tortas,
Mas esses caras torcem e distorcem. Eles
Conseguem me irritar muito e profundamente,
Quando vêm com a lupa analisar contratos
Que eu mesmo redigi. Duvidam... francamente...
De mim, como conseguem? Eu vou por em pratos
Limpos esse negócio. Mando-os pro inferno
E a manifestação acaba. Sou moderno,

E também sou aberto a uma nova idéia,
Mas sempre é bom lembrar que não mantenho rixa
Com o diabo, que pode utilizar a velha
Fórmula: negociar e acabar tudo em pizza!
Esses comunistinhas me incomodam tanto
Que, qualquer dia, coloco-os no paredão.
E aqui não é Big Brother não, meu caro santo;
Aqui é o Big Boss. Mando sim e não tem perdão.
Escreveu não leu, vai de castigo lá embaixo.
Eu criei o inferno e mal não há em nada que faço.

Ali fracos choram e os valentões se borram.
Vamos ao que interessa, chega de dar sopa
Ao azar! Você sabe como eles me adoram
Em cena e eu não dou nó em prego sem estopa.”
“Como, Senhor? Nó em prego? Não posso entender.”
“E nem vai, o papai não é pra qualquer um
Entender. Pela audácia, você vai perder
As asas que ganhou um dia em Cafarnaum. (1)
Assim aprenderá que minha DEMOcracia
É tão relativa quanto o Einstein e sua teoria.

Mas, para você não ficar perambulando
Pelas nuvens, de gás vou recheá-lo todinho,
Igual a um balão de festa. E como sempre ando
Com agulhas no bolso, já viu, né, fofinho?”
Amarra-o com barbante, volta dois mil anos
No tempo e o entrega a Jesus menino.
Depois ergue-se aos céus, retornando aos seus planos.
Mas Jesus não. Jesus, desde bem pequenino,
Adora passarinhos e, em seu coração,
Guarda um milagre de asas para o seu balão!

Longe dali, seu pai, pisando em nuvens, entra
No Grande Salão Celestial e pede água,
Sabonete, toalhas e um creme de placenta.
Mozart, Buda e Van Gogh, metendo os pés na tábua,
Tomam conta da cena em som, em luz, em cor!
O público, extasiado diante da beleza,
Aplaude, grita, chora e exalta o Criador,
Que, teatral, finalmente, põe cartas na mesa:
“Lavo as mãos na inocência do Wilson Martins!"
Diz Deus sob sua coroa de anjos e querubins.

Percebendo o efeito de sua frase, lava
As suas mãos, lentamente, como se quisesse
Ouvir todo o silêncio que se fez do nada.
“Quem leu toda sua obra que tenha a finesse
De subir aqui no palco e fazer uso da toalha."
Diz estendendo as mãos em direção ao público.
Um silêncio ensurdecedor sobre a sala
Cai. Porém, Deus, o todo poderoso e único,
Senhor do Céu, da Terra, criador do universo,
Supremo superior, não dá frente sem verso.

“Eu sempre soube, sei e saberei. Sabiam?”
Olhou-os de cima, sem esperar resposta.
“Ninguém, nem mesmo o réu e aqueles que o seguiam!
Só tinha esse motivo, ao negar minha porta
Ao Wilson, para que ascendesse ao céu eterno.
Mas quando São Miguel, consolador das almas
Do purgatório, não o quis, pensei no inferno,
Que ia ser minha vida, por perder tais causas.
Satanás, que podia ser minha salvação,
Desliga o telefone após sonoro não!

Fico num mato sem cachorro de dar dó.
E vocês estavam lá para me ajudar?
Nessas horas bem sei, conto comigo e só.
Jogue-o no limbo a pontapés, ouvi falar
No dia de sua chegada, tão inesperada.
É fácil falar faça, fazer é difícil,
Até para mim, Deus. Depois que a macacada
Se organizou em sindicatos, meu ofício
Divino perde charme e força, dia e noite.
Falta pouco pra eu fazer uso do açoite.

Mas por hora, basta. Chega de choramingo!
O réu Wilson já tem decretada a sentença.
Lavei as mãos, mas volto atrás: vai para o limbo,
Porém, sem pontapés. Virgílio, em recompensa, (2)
Poderá novamente ir do inferno ao céu,
Como já fez um dia, lado a lado com Dante.
Quando ele aqui chegar, faremos o escarcéu
Do ano, com abalos e um tsunami gigante!
O Wilson, eu não perderei jamais de vista,
Ele terá mil anos pra ser um artista!"


(1) Cafarnaum, aldeia onde Jesus pregou, conquistou apóstolos e realizou muitos milagres.

(2) Virgílio escreveu a Eneida, obra que também narra uma descida ao mundo dos mortos. Dante, no início da Divina Comédia, anuncia Virgílio como seu guia para a grande travessia: limbo, inferno, purgatório e céu.
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