sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A NOVELHA DO POLACO DA BARREIRINHA, CAPÍTULO 9!!

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O DIA QUE EU MATEI O WILSON MARTINS

de Antonio Thadeu Wojciechowski




Capítulo 9

O mulher na vida do Wilson.


“O cara diz que é poeta, Dr. Oliveira,
Mas nem parece homem com aqueles cabelos.”
“Me traz esse meliante que lhe arranco os pêlos,
Depois vai ser noivinha até virar caveira.
Nesta delegacia, mando eu e mais ninguém!
Disseram que ele leva a alcunha de O Mulher?
“Certíssimo, doutor! Quando o senhor quiser
Começar o interrogatório, tem também
Material apreendido que pode ajudá-lo.”
“Então, me traga tudo aqui já, ô, cavalo!

O agente sai e volta derrubando livros
E desabando sobre a mesa onde está o chefe.
“Puta que pariu! Merda! Tira mequetrefe!
Suma, antes que te ponha entre os inativos!”
“Desculpe-me, doutor! Sou um desajeitado.
Mas aqui estão as provas apreendidas ontem.”
“Livros!? Eu quero a arma. Vão lá e desmontem
A casa do filho da puta efeminado!”
“Mas doutor Oliveira, os livros são as provas
Que temos no momento. Não existem novas.”

“Não diga, pangaré! Então, qual é a jogada?”
“Os livros pertenciam ao mestre assassinado
E estavam em poder do rapaz acusado,
Quando fui atender no Largo uma chamada.
O caso era uma briga entre duas gostosonas,
E põe gostosa nisso! Quase pulo em cima!
Mas não interferi, porque não havia clima.
Pedi um martini doce e algumas azeitonas.
Comecei a papá-las e, bebericando,
Assisti à melhor cena que já vi neste ano.

“Vai dar uma de Dalton Trevisan agora?
Poupe-me, mini-pônei. Direto ao assunto!”
“Quando as duas se acalmaram, eu me acalmei junto.
Foi então que o acusado fez um bota-fora
De livros muito bons. Um deles caiu-me aos pés.
Ao abri-lo, que surpresa! Trazia em seu bojo
Do mestre a assinatura que, em letras de estofo,
Reclama a propriedade. Meu olhar, de viés,
Insuspeito, mirou o alvo e, num salto esperto,
Dominei-o, em segundos, pelo flanco aberto.

A ruiva que há pouco gania que nem cadela,
Voa no meu pescocinho e leva um pescoção.
Algemo o tal Mulher e chamo o camburão,
Enquanto defenestro o namorado dela.
Pensei que ia ser linchado, mas chegou a tropa
E foi enfileirando os bebuns, no cacete.
Um senhor, bem vestido, rouba o capacete
De um guarda e, ao tentar sair de fino, topa
Com o Marreta, aquele negrão do terceiro
DPM, que lhe dá um pontapé no traseiro.”

“Ui!, esse deve ter doído para caralho.”
“O chute pegou saco e cu. Foi bem no meio
Das pernas. Levantou o cara do chão. Sei o
Quanto isso dói. Pro cara sentar, deu trabalho.
Mas prendemos a turma toda no quartel
E colocamos, um a um, sob investigação.
Vão ver o sol quadrado lá na detenção.
Nem a diarista gorda, que fez um escarcéu
Daqueles, escapou das garras do Marreta,
Que atordoou a velha com uma chapoleta.

Foi pipoqueiro, guardador-de-carro, não
Sobrou um pra contar a história lá no Largo.”
“Belo trabalho, meu alazão! Café amargo
E uns dias na cela dão juízo e correção.
Agora, meu jumento preferido, diga
O que eu quero ouvir. Provas novas não há, certo?
O que temos de oásis em meio ao deserto
De idéias que esse departamento cultiva?
Desembucha, meu baio, não tenho o dia todo.
Solta a galope o rol de culpas desse povo.

“Encontramos, na bolsa da ruiva, maconha,
Um revólver com três cápsulas deflagradas,
E chaves. Como as portas não estão arrombadas,
Podem ter sido usadas pela sem-vergonha
Ou pelo assassino. Testes de baliza já
Estão em andamento, bem como os das chaves.
Burocracia e incompetência são entraves
Enormes. Agora só nos resta esperar.
Na casa do senhor de aspecto grave e sério
Foi que demos de cara c’um grande mistério.”

“Ah, foi lá que vocês encontraram a grana?”
“Só verdinhas de cem. O pastor tem bom gosto.”
“O quê, o cara é pastor? Na Universal tem posto?”
“É um peixão pelo jeito. Mora em rua bacana,
Puta mansão, carrões, coleções de bebidas:
Vinhos, uísques, tequilas, runs, vodkas, absintos
E cachaças das boas, já bem envelhecidas
Nos barris de carvalho, em vários recintos.
A caixa de Blue Label está guardadinha
Para o senhor beber, na próxima festinha!”

“Meu puríssimo-sangue da Arábia merece
Promoção! Que tal ser o meu braço direito?”
“O esquerdo é que lhe falta. Não fosse o defeito,
O doutor já teria chegado à Marrakesh
A nado. Superintendente da polícia é pouco,
Pra quem tem um Q.I. elevado como o seu.”
“Ainda bem que tem quem reconheça que meu
Enorme potencial aqui é tratado a soco,
Pontapé e safanão. Relinche, que eu faço gosto,
De ouvir estas verdades, assim, rosto a rosto.”

“Ah! Chefinho, o senhor já entregou a bufunfa
À corregedoria? Cem mil dólares: Deus!
O que eu não daria pra tê-los entre os dedos meus.”
“Isso não lhe compete, comigo só triunfa
Quem não se mete à besta e fica bem calado.
E pra você saber, as notas eram xerox,
Só cópias vagabundas. Tirei-as dos potes
E enviei ao Secretário, Dr. Paulo Furtado.”
“Falsas? Aquelas notas? Eu não acredito!”
“Pois pode acreditar. Se quiser, eu repito.

Mas chega desse assunto. O que mais conseguiu?”
“Bem... Tem algumas coisas, mas muito intrigantes.
Muito mesmo. A diarista já trabalhou antes
Com o Wilson e foi demitida em abril.
E foi bem problemática a demissão
Por justa causa. Temos que investigar fundo.
Parece que tem culpa no cartório, pois junto
Com ela estava uma corrente de ouro tão
Valiosa que há queixa de roubo. E quem fez?”
“O Wilson Martins, certo, meu bom bolonhês?” (1)

“Muito bem, perspicácia é arma da polícia.
Mais comprometedor é que ela tinha cópias
De chaves em sua bolsa que parecem próprias
De uma mansão e não de um mocó de caliça.
Aí tem, viu, doutor!? A velha tem varizes
Até nos braços, pode um troço desses? Putz!
As rugas são tão fundas que não sei se há cútis
Sobre aquelas pelancas em forma de raízes.
O pipoqueiro é trinta e cinco anos mais moço,
Mas da fruta da velha chupa até o caroço!”

“O que quer insinuar? Que esses dois são amantes?”
“Não só são bons amantes, como também andam
Vendendo otras cositas que não são pipocas.”
“Não vai querer dizer que os dois são traficantes?”
“Sim. E de cocaína pura. O carrinho
De pipoca era só fachada para o tráfico.
Tudo muito bem feito. Tipo jogo rápido.
O pó era mocado dentro de um pacotinho
De sal. Os clientes tinham senha pra comprar
E pediam um salzinho extra para levar.”

“Mas como descobriu a ligação dos dois?”
“A bela garçonete entregou a jogada.
O dono do bar era sócio da parada.
Disse que o pó corria solto logo depois
Que baixavam as portas, e que só dá uns pegas,
Não é viciada. Vou te contar, viu, doutor!?
O troço está de um jeito que eu não vejo por
Onde começar. Mas pode deixar c’o degas
Aqui, que vai dar tudo certo no final.
Se a gostosa cagar pra trás, vai levar pau.

Já transcrevi seu depoimento, se ela assina
Ou não é outro negócio. Tenho minhas dúvidas,
Pois choveu advogado a cântaros e as únicas
Testemunhas foram instruídas na surdina.
Ô raça fia da mãe! Parecem urubus
Vindo atrás de carniça, porra! Nunca vi
Coisa igual, me dá nojo. Tomem nos seu cus,
Filhos da puta! Pusilâmines! Daqui
Não sai ninguém até que me contem tudinho.
Tim-tim por tim-tim, muito bem explicadinho!

- Certíssimo, meu Apaloosa. Teu tropel (2)
Escreverá em ouro meu nome na história.
Até já posso ver as manchetes, a glória
Da capa na Tribuna, meu limite é o céu! (3)
Entrevistas, sessões de foto, imagine só:
Delegado Oliveira, o nosso Sherlok Holmes!,
Tomando toda a capa, sem ter outros nomes
Para ofuscar meu brilho. Cocoricocó!
Do espalhafato da galinha nasce a fama
Do ovo, e uma medalha meu peito reclama!

- Amado chefe, já o vejo lá nas alturas
E todos a seus pés, implorando atenção,
A chuva de convites, comemoração,
O carro aberto escoltado por cem viaturas!
Mas pra que isso se torne real, vamos à luta.
O guardador de carros era o segurança
Do point, está sacando? Então a coisa avança.
Onde estão os bacanas? Quem será o batuta
Que comanda esses pés-de-chinelo da porra?
Café de primeira não se faz com a borra!

Sabe, doutor, de toda essa canalha aí,
Se salva pouca coisa, mas vamos em frente.
- Chame O Mulher agora mesmo, tenho em mente
Que esse é o nosso homem. Vai, suma daqui!
Enquanto eu interrogo; você, meu Bretão, (4 )
Cavalgue em direção às provas que preciso.
Esprema todos eles. Leve-os lá pro piso
Inferior. Faça suco de ossos e um sopão
Com os miúdos. A imprensa quer sempre notícia
Fresca, então, prepare a bomba mais propícia.

O que se segue todos sabem: o pau come
Solto pelo porão, corredores e salas
Da delegacia, onde arquivos, papéis, malas
E homens tentam chegar finalmente a um nome.
Depoimentos são lidos, relidos, refeitos,
Analisados, comparados, comentados,
Interpretados, investigados, jogados
Pra lá e pra cá, ficando ainda sujeitos
A novas aventuras nesse labirinto
De idéias e teses, que enlouquecem o recinto.

O governador quer resultados pra já;
O superitendente da polícia, pra ontem.
A imprensa? Bem, fabrica histórias de monte.
Maracujá ou comer cu de marajá
Tanto faz, quanto mais fictício o estropício
Melhor. Quem afinal quer saber da verdade?
A ficção é que vale, não a realidade.
Quem se importa se colocam no hospício
O Mulher, aleijado por uma seção
De tortura total num pau-de-arara, ou não?

Quem se importa se fazem de mulher um homem
E lhe quebram as pernas para que confesse
O que fez e o que não? Quem rezaria uma prece
A quem chora de dor porque dez o comem?
Quem se incomodaria de sair de seu lar
E cobrar real justiça a um louco cabeludo,
Que atende pela alcunha de O Mulher, no mundo?
Não estou nem aí mas posso perguntar?
Quem cobraria a conta? Quem? Quem pagaria,
Conveniência e correção na mesma via?

Quem releria o capítulo sete de novo
Pra sentir o que é um Manicômio Judiciário?
Quem sentenciaria tudo que julgou inválido
E começaria de novo a contar com o ovo
No cu da galinha agora? Qual de nós, poetas,
Enforcaria seu canto pra dar dar vez e voz
A um zumbi entorpecido, vigiado por nós
Na camisa de força e mil gritos de alerta?
Quem, vendo-o babar, de olhos vazios no horizonte,
O chamaria de irmão com prazer de Anacreonte? (5 )

Mas deixemos, leitores, de lado o capítulo
Com suas cento e quarenta linhas mal rimadas,
Mil seiscentos e oitenta sílabas contadas,
E um Wilson reluzindo bem no meio do título.
Digamos que foi apenas mero desabafo
De alguém que foi lançado aos porões de um inferno
Em vida e quer fugir desse castigo eterno,
Com a poesia que tem debaixo do seu braço.
Afinal, um O Mulher a mais, um O Mulher
A menos, só faz diferença pra quem quer.

Você quer? Não? Então deixe c’o beque aqui.
Que eu vou fundo na história e, doa a quem doer,
Resolvo esse mistério, libertando, de uma vez
Por todas, inocentes e réus em poder
Dessa justiça cega, surda, muda e podre.
Estou bêbado? Louco? Claro. É bem óbvio.
Mas não assinei meu atestado de óbito
E quando ouço a palavra cultura, ao coldre,
Não levo a mão e, sim, ao coração, meu músculo
Maior, motor do espírito, juiz sempre justo!



(1, 2, 4) – Raças de cavalo
(3) – Jornal mais popular de Curitiba, focado em crimes e futebol.
(5) – Poeta, máximo representante da lírica jônica. Cantou os prazeres do convívio, do vinho e do amor.


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Semana que vem, o décimo e derradeiro capítulo!
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