terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A NOVELHA DO POLACO DA BARREIRINHA, CAPÍTULO 7!!

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O DIA QUE EU MATEI O WILSON MARTINS

de Antonio Thadeu Wojciechowski



Capítulo 7


Tinha um Wilson no meio do caminho


O poeta é um mendigo de si mesmo, porra!
Um cara que não entra pela porta, entende?
Sua alma é prisioneira, vive na masmorra
De misérias reais, sonhando que o que sente
É a vida em carne e osso. Haja sofrimento!
Um em milhões que escrevem é poeta de lei,
O resto? Bem... Alguns merecem linchamento;
Outros, é bom deixá-los em paz com sua grei.
O rosário que rezam é só um faz-de-conta,
Terapia ocupacional, monta desmonta.

Bem, doutor, eu sou poeta. Tenho amor aos livros.
Onde tem poesia, pulo em cima, me interessa.
Sou tarado por arte, de mortos ou vivos.
Pesquiso à exaustão, se acho poesia, estou nessa!
Fotografia, pintura, teatro, arquitetura,
Cinema, prosa, verso, não enjeito a obra,
Que tem poesia, tem alma, e amor à cultura.
Conhecimento tenho demais, até sobra,
Mas não paro. Estudo o dia inteiro, sem pausa.
Matei meu ego, porque era um mala sem alça.

Motivos, ele mesmo me deu, de montão.
O senhor veja bem. Minha vida não é flor
Que se cheire. Sou poeta, tenho um coração
Malhado a ferro frio e a alma de estivador.
Carrego um peso imenso no lombo e agüento
A carga sem um pio e não me queixo nunca.
O que é de mais valia agora não me lembro,
Mas meu ego era um prego enterrado na nuca.
Imagine o senhor, tudo que ele queria
Era a coluna que o Wilson escrevia.

Mas cada livro novo que eu lançava, nada!
Nem uma linha, vírgula ou reticências.
O silêncio do Wilson era a patacoada
Do século, um insulto às letras e às ciências.
Dá para imaginar, doutor, o que eu sofri?
O barulho dia e noite na minha cabeça?
Nem sei mais quantas vezes eu já não morri!
O senhor faça as contas. Vamos que aconteça
Do seu ego crescer demais, ao infinito,
Quebrar sua voz ao meio e querer ganhar no grito.

O senhor, dividido, continua o mesmo?
Em terra de cego quem tem um olho é rei
E quem tem dois, é o quê? Faz vista grossa a esmo,
Finge que decifrar a esfinge é de lei?
Bom, o senhor que sabe de si; eu, de mim.
Mas agora eu já estou melhorzinho, doutor.
Depois que a cara cai, começamos do fim,
Em cacos se faz o quebra-cabeças da dor.
Quando a voz interior cessou, vi meu tamanho
E balancei. Me olhei no espelho e vi um estranho.

No lugar do genial poeta ali estava eu,
Um alienígena, doutor, um anjo caído.
Me belisquei pra ver se o sonho era meu
E acordei para ser o que eu não tinha sido.
Li e reli tudo que escrevi diversas vezes.
Me deu nojo, doutor, e vomitei as tripas.
Bílis vazou-me à boca durante esses meses
De avaliações, de análises e de críticas.
Juntei todos os blocos, guardanapos, papéis,
Pacotes, e de dor urrei em mil decibéis.

Taquei fogo que foi bonito de se ver!
Daí entrei em total parafuso, apaguei.
Vaguei por esta Terra de ninguém, sem vez,
Sem voz, sem mais nem menos. E pelo que sei,
Depois, vim para cá. Fiquei a seus cuidados.
Há um vácuo ainda dentro de mim que preciso
Preencher para poder recuperar os dados.
O senhor, melhor que ninguém, sabe o prejuízo
Que esse vazio provoca em meu equilíbrio
Emocional: por isso me mantém cativo.

Sabe, doutor, às vezes, vêm imagens, lapsos
De memória. Eu vejo e não sei o que é.
Tem um homem caído, há sangue em seus braços,
O cérebro está exposto e sem sapato um pé.
As visões se repetem quase todo dia
E quando forço para lembrar fico meio zonzo.
A cabeça me dói e sinto uma agonia
como a que sente um lutador na hora do gongo.
Daí vem o alívio e tudo ganha uma clareza
Imensa; então, escrevo o que me dá na telha.

O mais incrível é a cadência de meu canto.
As sílabas parecem dançar de alegria
E as rimas soam maravilhadas de espanto.
A loucura, doutor, é uma alegoria
Da alma, um simulacro pra testar o ser.
Estar no manicômio judiciário mata,
Se não houver vontade férrea de viver
E o sonho de se ver sem o nó que nos ata.
Sabe, doutor, pendurado no pau de arara,
Descobri que a verdade está na nossa cara.

Toda aquela porradaria passou em branco,
Porque meu corpo estava lá, não minha mente.
Enquanto me batiam, eu me vi num barranco
E me precipitei abaixo, simplesmente.
Eu batia os meus braços e voava, doutor,
Espetacularmente. Era como se eu fosse
Um anjo que aprendeu a voar com um condor.
Uma nuvem toda feita de algodão doce
Tocou meus lábios com seu feitiço de açúcar
E caí nesse abismo que hoje ainda me assusta.

Este ou lugar nenhum é a mesmíssima coisa.
Diga-me, doutor, isto aqui não é o limbo?
Já que ninguém caga nem desocupa a moita
Me dá impressão que aqui nunca se joga limpo.
É trapaça sobre trapaça e muito medo.
O condicionamento nasce do terror,
Da ameaça, do castigo que sempre vem cedo
Demais nesse insuportável circo de horror.
O tempo é ilusão, doutor. Ele não passa,
Nós passamos, como uma nuvem de fumaça.
a
O limbo é aqui, tenho certeza absoluta.
Não matei minha mãe a soco ou a encoxei
No tanque, pra virar cobaia de disputa
Intelectual de médicos foras-da-lei.
Novecentos e noventa anos ou um dia
Que diferença faz ao tempo que me falta?
Minha pena é apenas ir à drogaria,
Engolir essa pílula e esperar a alta,
Que não vem nem virá, até que a morte me esqueça
E eu, vivo, deixe que o milagre me aconteça.

Enquanto isso, doutor, vou dar c’os burros n’água,
Tirar o cavalo da chuva, pôr carroça
Na frente dos bois e colocar um fim na mágoa.
Se há vida há esperança a caminho da roça,
Então melhores dias virão ou já vão tarde.
Mais do que nunca, quem espera sempre alcança.
Faça por mim como se fosse eu e Deus te pague!
Está escrito: conforme a música é que se dança
E é bom irmos em frente que atrás vem gente
De olho maior que a barriga e podem vir quente

Que eu já estou chutando até cachorro morto
E cada um sabe o que lhe convém e não vai
Querer ficar querendo que macacos mordam
A banana que não temos nem pra remédio.
Tudo pode acontecer a direito ou a torto,
Já que estou no mato é pra me perder sem pai
Nem mãe e ficar pra titio onde os rios corram
Do mar como quem foge da cruz e do assédio
Sexual do Wilson Martins que entrou pela porta
Dos fundos no momento que já não importa.
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